ECONOMIA NACIONAL

Alta do petróleo deve afetar gasolina, comércio e contas do governo

Preço do barril registra maior alta durante uma sessão desde a Guerra do Golfo, em 1991.

Em 16/09/2019 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Foto: Campos 24h - Reprodução

Os ataques feitos supostamente por drones a instalações da petroleira estatal Aramco na Arábia Saudita no último sábado (14) provocaram uma disparada nos preços do petróleo, com o barril de Brent registrando a maior alta durante uma sessão desde a Guerra do Golfo, em 1991, em meio às preocupações com a redução da oferta global da principal fonte de combustível do planeta e da elevação da tensão geopolítica entre Estados Unidos e Irã.

Os danos provocados pelos ataques cortaram pela metade a produção do maior exportador mundial de petróleo, provocando uma redução de cerca de 5,7 milhões de barris por dia, o que representa mais de 5% do suprimento global atual.

As autoridades sauditas ainda não informaram quanto tempo será necessário para restabelecer plenamente a produção nas instalações destruídas. Analistas acreditam que podem ser necessárias várias semanas ou até meses para o país voltar à normalidade.

As incertezas geopolíticas e o risco de queda na oferta tende a manter os preços do barril de petróleo e dos combustíveis com viés de alta nos próximos meses, com impactos também nas bolsas e no comércio global.

No Brasil, as ações da Petrobras tendem a ter uma valorização, mas os analistas lembram também que o preço da gasolina e do diesel podem ser elevados pela estatal, que mantém um política de preços alinhados aos do mercado internacional. Por outro lado, a alta do preço do barril também pode aumentar a arrecadação do governo federal e estados produtores com royalties e participações especiais, além de contribuir para aumentar o interesse das grandes petroleiras internacionais nos próximos leilões bilionários de áreas de exploração de óleo e gás no Brasil.

Como foi o ataque e quem assumiu

No sábado (14), ataques por supostos drones provocaram incêndios na unidade saudita de Abqaiq, a maior do mundo dedicada ao processamento de petróleo, e na instalação de Khurais. Não houve relatos de feridos, mas a fumaça foi vista do espaço.

Após o ataque, rebeldes iemenitas houthis, que são apoiados pelo Irã no conflito que acontece no Iêmen, disseram ter enviado dez drones para atacar as instalações da Aramco.

Desde 2015, a Arábia Saudita lidera uma coalização internacional que apoia o governo local e ataca os houthis no Iêmen. Em retaliação, os rebeldes têm feito vários bombardeios fronteiriços com mísseis e drones contra bases aéreas sauditas e outras instalações no país.

A Organização das Nações Unidas (ONU) e países ocidentais acusam Teerã de fornecer armas ao grupo, algo que o governo iraniano nega.

Disparada de preços do petróleo

Na abertura dos mercados nesta segunda (16), a cotação do barril do tipo Brent disparou 19,5% em Londres, para US$ 71,95, a maior alta intradia desde 14 de janeiro de 1991, durante a guerra do Golfo.

Segundo informou a petroleira Aramco, os ataques provocaram uma redução de cerca de 5,7 milhões de barris por dia na produção, o que representa mais de 5% do suprimento global atual. A Arábia Saudita é o maior exportador global de petróleo, além de ter uma grande capacidade ociosa.

"Retirar mais de 5% da oferta global de uma única tacada – um volume que é maior que o crescimento da oferta acumulado em países de fora da Opep entre 2014 e 2018 – é altamente preocupante", escreveram, em nota, analistas do UBS.

Os preços do petróleo reduziram o ritmo de alta nesta segunda, depois que o presidente norte-americano Donald Trump autorizou o uso de estoques de emergência de seu país para assegurar a estabilidade do suprimento.

Os preços médios estavam relativamente reduzidos nos últimos meses, uma consequência das reservas abundantes e dos temores de desaceleração da economia mundial, fatores que afetavam a demanda. A Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) chegou a estabelecer limites de produção para tentar manter a faixa de preço e evitar uma viés de baixa.

Ataque com drones contra instalações da petroleira saudita Aramco — Foto: Juliane Monteiro/ G1

Ataque com drones contra instalações da petroleira saudita Aramco — Foto: Juliane Monteiro/ G1

Estados Unidos acusam Irã; Teerã rebate

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, disse que não havia "provas de que os ataques tenham partido do Iêmen" e acusou o Irã de estar por trás da ação.

Em princípio, o presidente Donald Trump não citou diretamente o Irã, mas deixou claro que os Estados Unidos estão prontos para atacar, "dependendo da verificação", pois esperam conhecer a versão saudita para determinar como proceder. Mais tarde, ele deu entender que o Irã pode estar envolvido.

Para o governo iraniano, os Estados Unidos buscam um pretexto para retaliar o país. Nesta tarde, o presidente do Irã, Hassan Rouhani, afirmou que o ataque foi uma "resposta recíproca" do Iêmen.

"O povo iemenita exerce seu legítimo direito de defesa. Os ataques foram uma resposta recíproca à agressão contra o Iêmen que ocorre há anos", disse.

A Rússia considerou “inaceitável e contraproducente” discutir uma possível resposta aos ataques e que usar o incidente para aumentar as tensões é contraproducente. “Propostas de ações retaliatórias difíceis, que parecem ter sido discutidas em Washington, são ainda mais inaceitáveis", afirmou o ministério de Relações Exteriores russo em um comunicado.

Já a China e a União Europeia (UE) pediram "moderação".

Aumento da tensão entre EUA e Irã

A relação entre os Estados Unidos e o Irã vem se deteriorando desde a eleição de Donald Trump. Em 2018, Trump cumpriu sua promessa de campanha e retirou seu país do acordo nuclear assinado em 2015.

Na época, os Estados Unidos alegraram que o Irã financiava grupos terroristas e não cumpria os termos do tratado – o que não foi confirmado por organizações independentes. Desde então, os americanos adotaram sanções que prejudicam a economia iraniana.

Em julho de 2019, o Irã ultrapassou o limite de 300 kg de urânio de baixo enriquecimento que foi previsto no acordo nuclear em retaliação contra as sanções americanas.

O urânio de baixo enriquecimento é usado para produzir combustível para reatores nucleares, mas, potencialmente, pode servir para a produção de armas nucleares. A violação dos termos abre espaço para a volta de sanções multilaterais que foram suspensas em troca de o Irã limitar suas atividades nucleares.

Perspectivas para o petróleo e mercados

Por enquanto, os investidores estão no aguardo de mais detalhes sobre o ataque e danos às instalações da Aramco e a atentos a qualquer reação política aos acontecimentos.

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) informou que está avaliando o impacto dos ataques a instalações da Arábia Saudita, e considera ainda muito cedo para os membros da entidade tomarem medidas para aumentar a produção ou convocarem uma reunião para discutir outras medidas.

Embora países como Arábia Saudita, Estados Unidos e China possuam centenas de milhões de barris de petróleo em armazenamento estratégico, o ataque aumentou também a preocupação em relação à vulnerabilidade das infraestruturas das petroleiras a ataques com drones e a uma piora ainda maior nas relações entre EUA e Irã, que voltaram a trocar acusações.

Analistas avaliam que a tendência é de muita volatilidade nos preços nas próximas semanas, em meio à maior aversão ao risco e dúvidas sobre o real impacto dos ataques na oferta global.

"Se a tecnologia de drones alterar o jogo de força no Oriente, isto [tendência de alta] pode se tornar mais grave", afirmou o economista-chefe da Necton, André Perfeito.

Aneeka Gupta, estrategista de commodities da Wisdom Tree, avaliou que os preços poderão atingir chegar a até US$ 75 por barril se se a interrupção na produção da Arábia Saudita durar mais de seis semanas, segundo a BBC.

Para o sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, o preço do barril tende a se manter com viés de alta ao longo dos próximos 3 meses pelo menos. "Ainda não sabemos se o preço do barril pode ir a US$ 70, US$ 80 ou para US$ 100. Ainda é muito cedo. O que ficou claro é que lá no Oriente Médio essas estruturas gigantes de petróleo são mais frágeis do que se imaginava, e isso influencia o preço", afirma.

Fumaça é vista após um incêndio nas instalações da Aramco em Abqaiq, na Arábia Saudita, neste sábado (14)  — Foto: Reuters

Fumaça é vista após um incêndio nas instalações da Aramco em Abqaiq, na Arábia Saudita, neste sábado (14) — Foto: Reuters

Para a agência de classificação de risco Moody's, os preços tendem a se manter pressionados mesmo após a retomada da produção saudita. "Preços mais elevados ajudarão os produtores e prejudicarão as refinarias no curto prazo, mas efeitos de mais longo prazo sobre as companhia de energia dependerão do tempo e da magnitude da menor produção da Aramco", disse o diretor-gerente Steve Wood.

Analistas também avaliam que, caso a situação não se normalize rapidamente, o episódio deverá impor maior cautela nas próximas decisões sobre taxas de juros nos Estados Unidos e no mundo, uma vez que aumentam as chances de um cenário de maior desaceleração de crescimento global.

Reajuste dos preços do diesel e da gasolina no Brasil

Se os preços do petróleo se mantiverem em alta, em algum momento o aumento também chegará nas bombas dos postos de combustíveis, avaliam os especialistas da área.

"Mantida a política de alinhamento de preços dos combustíveis à flutuação do petróleo e dos derivados lá fora, a tendência é que haja aqui internamente um aumento do preço da gasolina e do diesel, e isso pode gerar algum tipo de tensão interna como a gente já viu no passado, além de um impacto inflacionário", afirma Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

Para analistas, a disparada dos preços do petróleo será um "teste" para a política de preços da Petrobras para o diesel e a gasolina. A estatal leva em conta os preços internacionais do petróleo e a variação cambial para definir os preços nas refinarias, embora a companhia não trabalhe mais com uma periodicidade definida para os reajustes.

"Ao longo dos últimos anos, nós temos visto diversos exemplos em que a companhia não foi capaz de seguir os preços internacionais, levando a perdas significativas no negócio de refino. A atual gestão tem conseguido implementar uma estratégia de sucesso até o momento, e esse evento pode ser um importante teste sobre quão sólida é a política (de preços)", escreveram os analistas do banco UBS em nota citada pela agência Reuters.

"Se o preço realmente subir e permanecer alto, e se a Petrobras demorar muito a repassar esse preço para a bomba, vai ficar claro outra vez uma intervenção entre aspas na Petrobras", afirmou ao G1 Adriano Pires, citando ainda os possíveis reflexos no programa de venda de ativos da estatal.

A Petrobras iniciou na semana passada processo para venda de quatro refinarias, enquanto outras quatro unidades de refino já haviam sido colocadas no mercado anteriormente.

"Desde a greve dos caminhoneiros temos falado da necessidade do Brasil criar um fundo de estabilização de preços para absorver essas grandes variações de preços sem que a Petrobras seja afetada. Quem conhece o mercado de petróleo sabe que o petróleo tem uma variável geopolítica muito forte", destacou o diretor do CBIE.

Impacto em royalties e nos megaleilões do pré-sal

Para o Brasil, preços internacionais de petróleo mais altos tendem a favorecer não só a balança comercial, como também a arrecadação da União e governos estaduais e municipais com royalties e participações especiais pagas pelas petroleiras que atuam no país. "Aumenta a arrecadação como um todo mundo. Um dinheirinho a mais é sempre bem-vindo", destaca Pires.

Os analistas avaliam que a crise aberta pelos ataques na Arábia Saudita pode também aumentar a atratividade dos megaleilões de áreas do pré-sal que o governo brasileiro pretende realizar até o final do ano.

"Apesar de ter um custo de produção relativamente mais caro, o pré-sal está situado em uma região que não enfrenta nenhum tipo de problema geopolítico, de tensão, que tem no Oriente médio. De certa maneira, algumas empresas podem reorientar suas decisões de investimento para tentar concentrar e disputar aqui as novas áreas que vão ser ofertadas", avalia Helder, ex-diretor da ANP.

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