TEMAS GERAIS

Ato anti-imigração na Paulista foi contra a lei, dizem especialistas.

Discurso contra muçulmanos surpreendeu os especialistas.

Em 05/05/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Gritos “contra a islamização” e discurso de intolerância religiosa no ato contra o novo Estatuto da Migração na Avenida Paulista nesta terça-feira (2) podem ser considerados crimes, dizem especialistas ouvidos pelo G1.

O protesto organizado pelas redes sociais pedia o veto da Lei de Migração, aprovada no Senado. Durante a manifestação, quatro homens – sendo dois de origem palestina - foram presos após confusão com os manifestantes. Eles foram liberados após audiência de custódia na última quarta, mas dois deles serão investigados por jogar um artefato explosivo no meio do ato.

A livre manifestação é um direito garantido pela constituição. O protesto contra a lei, em si, é legal e teve inclusive o acompanhamento da Polícia Militar. Mas, para o secretário-adjunto da Secretaria de Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça, Silvio Albuquerque, “o limite da liberdade de expressão é a dignidade humana”. Ela não pode ser ferida, explica Albuquerque.

Em vídeos do protesto publicados em redes sociais pelo Movimento Direita São Paulo, que organizou o ato, a nova lei é chamada de “estatuto do terrorista”. “Essa lei veio para colocar os islâmicos contra os cristãos. Para destruir as famílias. Para pegar crianças de 9 anos de idade e fazê-las se casar com homens de 50 anos. Nós estamos falando de uma aberração cultural, de algo que não pode ser conivente com a nossa cultura", disse um militante ao microfone, à frente da marcha na última terça.

Em outro momento, os manifestantes cantaram em coro: “Abaixo, abaixo, a lei de migração, eu quero o meu país longe da islamização”.

“É crime. Na minha opinião, o ato praticado, embora não haja a tipificação [de crime de ódio], pode ser classificado como crime de discriminação racial, pela legislação de 89, e também acredito que houve um excesso ao direito de livre manifestação, porque ali se violam artigos na convenção internacional e outras convenções que o Brasil ratificou”, explica o secretário que também é embaixador.

A lei a que se refere é a 7.716, de 1989, que prevê punição para o ato de “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” A nossa Constituição não tem uma lei específica para o “crime de ódio”. Para o secretário, o Brasil deveria “se mirar em exemplos como os dos Estados Unidos, que entenderam que para combater crimes de ódio é preciso tipificá-lo”.

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Martim Sampaio, também entende que houve crime no discurso do protesto. “São frases de ódio sim, sem dúvidas, que tem que ser rigorosamente apuradas”.

Sampaio disse ainda que este não foi um caso isolado, já que ele próprio teria recebido denúncias de um jovem islâmico em São Paulo que relatou agressões e xingamentos por seguir a crença islâmica.

Para o advogado, há duas providências a serem tomadas. “Uma de natureza criminal. Que sejam apurados e processados os autores dessas ofensas religiosas. Se culpados, que sejam punidos, com a ampla defesa, claro”. A outra é a educação contra o crime de ódio e a promoção da tolerância.

Contexto internacional

O discurso contra muçulmanos ocorrido em plena Avenida Paulista surpreendeu os especialistas. “Essa manifestação, motivada pelo ódio ao estrangeiro, é algo, nas dimensões do que se conhece na Europa, embrionário, mas preocupante”, afirma o secretário adjunto de Direitos Humanos.

Para o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, a conjuntura internacional, com o aumento do extremismo, se reflete no país. “Estão importando um problema para o Brasil que nunca existiu, traduzido como islamofobia. Todos somos descendentes de algum povo que imigrou. A lei reconhece essa tradição. Todos convivem bem, japoneses, judeus, árabes, nossos problemas nunca se traduziram nessa arena”.

“O preconceito racial no brasil é grande, velado, mas não me recordo de nada parecido com o que aconteceu na Paulista. É a importação dessa onda mundial. A desilusão que envolve desde o desemprego até a importação de uma ideologia, de um preconceito, por falta de cultura, conhecimento”, completa o advogado.

Albquerque também ressalta que são altos os números de discriminação contra outros grupos, como os negros, gays, moradores em situação de rua, etc. “A novidade é a expressão de xenofobia contra um grupo. Se há uma coisa que define crime de ódio, é que é muito mais que um crime individual. Ele atenta contra a sociedade e as relações fraternas que a sociedade deveria prevalecer”. “Repetem-se erros do passado, são eleitos imigrantes como responsáveis pelos efeitos mais nocivos da crise”, disse o embaixador.