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Bacia do Santa Maria tem 16% de área degradada que agrava a seca.

Sobrevoo mostra rios sem água pelo Espírito Santo.

Em 05/12/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

De cima, recortes imensos de terra exposta, sem mata, sem vida. Os rios, sem água e repletos de bancos de areia. Esse foi o cenário encontrado em um sobrevoo que nossa equipe fez no dia três de novembro.Hoje, com a chegada das chuvas, a água voltou a correr em alguns rios, mas isso não significa que o cenário se reverteu. A paisagem continua marcada pela degradação e os rios pelo assoreamento.

O Espírito Santo tem cerca de 16% de cobertura florestal. Pode-se dizer que 40% da área total do estado é de pasto e que parte considerável disso é de pasto degradado.

De acordo com um estudo feito pelo Centro de Desenvolvimento do Agronegócio (Cedagro), em 2012, a Bacia do Santa Maria do Rio Doce tem uma área de degradação relativa de quase 16%. É a maior área de degradação das bacias estudadas. Seguida pela bacia do Rio Guandu, com 15,73%, e do Santa Joana, com 15,36%.

Essa degradação se deve a fatores como a baixa cobertura florestal, o manejo inadequado das áreas agrícolas, a elevada exposição do solo, por conta da baixa cobertura florestal, e o relevo com alta declividade. O Santa Maria do Doce e o Santa Joana são afluentes do Rio Doce. E o nível de degradação deles e dos outros rios que desaguam lá contribuem com a situação atual do Rio Doce.

Isso é resultado de um processo histórico

Um processo que se iniciou em épocas diferentes para cada local do estado.

O engenheiro agrônomo e especialista em recursos hídricos, Henrique Lobo, explica que no final do século XIX e início do século XX, o desmatamento de algumas áreas se iniciou com a chegada de imigrantes europeus, que precisavam de espaço para montar colônia no Espírito Santo. Isso, principalmente, na região das montanhas. Mas era um desmatamento menor, para as famílias se estabelecerem.

Com o tempo, começou a introdução das lavouras de café. Na região Norte do estado, a mata começou a desaparecer durante um ciclo que foi da década de 50 até a de 70, com a construção e o asfaltamento da BR 101.

Durante esses 20 anos, grande parte das florestas do norte deu lugar às pastagens. Nessa época, a cultura era outra. Os produtores precisavam “abrir a mata” para produzir, e eles foram estimulados a isso. Na década de 60, eram colocados cinco bois por hectare de pastagem.

Hoje, a média é de 0,8 cabeça por hectare. Atualmente, a Bacia do Rio Doce, maior e principal do estado, tem apenas 11% de floresta nativa, a Mata Atlântica. Henrique Lobo afirma que é uma das bacias mais degradadas do Sudeste, pode-se dizer que até do Brasil.

Paulo Macarini, agricultor de Colatina, vivenciou esse processo. Ele relembra como era a mentalidade da época: “coisa linda, era só arrancar e plantar”. Mas hoje o pensamento dele é outro, o que ele viveu ensinou a importância que a mata tem para a continuidade da agricultura.

A seca veio de uma forma tão intensa que obrigou Paulo a arrancar seis mil pés de café, quase metade do seu cafezal. A situação chegou a um ponto que o agricultor pensou que pudesse ficar sem água para beber. “Nunca esperava uma coisa dessas, coisa mais difícil que a gente viu na nossa vida. Estou com 66 anos, vou fazer agora em janeiro, e nunca vi isso na vida. De secar os córregos, o açude nosso seco...” 

Agora, ele reflete que a força com que essa estiagem foi sentida tem relação direta com o modo como a ocupação aconteceu no passado. “Foi nós mesmo, né? O ser humano… Foi cortando mata, derrubando árvore, achava que isso nunca vinha pra nós, tá entendendo? Talvez podia vir para os filhos da gente, para os netos. E todo mundo geralmente não pensava isso”, fala Paulo.

Mais de 16% da área agrícola estadual é degradada o que equivale a 393.321,55 hectares. A pastagem corresponde a maior parte dessa área, com 238.943,66 hectares, em seguida vem o café com 118.706,79 hectares.

Dado da mesma pesquisa feita pelo Cedagro. Este estudo conceitua solo degradado como o solo em que a camada superficial, local onde se concentram os nutrientes e a matéria orgânica, foi parcialmente ou completamente removida ou compactada de forma que prejudique as atividades agrícolas. A região do estado com maior área agrícola degradada em relação a área total da região é o Noroeste, com 11,36%.

Realidade bem conhecida por César Santos Carvalho, engenheiro florestal e extensionista do Incaper em Colatina. Ele reforça que essa chuva que tem caído não vai reverter uma situação que chegou a esse ponto ocasionada por práticas extrativistas antigas.

“Na verdade o que estamos percebendo é que seca vai hibernar por um período e voltar nos próximos anos devido ao estágio que a nossa bacia hidrográfica se encontra. O estágio de conservação de água é muito baixo, práticas extrativistas ainda muito fortes, colocando nosso solo exposto. Com nível de erosão grande, degradação grande, perdendo muita água”, destaca o engenheiro.

Ele acredita que este não é só um problema ambiental. A degradação do solo em níveis tão extremos pode levar à desertificação, o que leva a um cenário de pobreza. Por isso, é tão urgente que se discuta isso.

Para o especialista, o maior erro ainda consiste em olhar para terra acreditando que a fertilidade é infinita. Sem pensar que para plantar é  preciso ter o cuidado de retornar para o solo aquilo que é tirado.

E existem medidas relativamente simples que o produtor rural pode tomar para diminuir o impacto, como:  adoção de caixas secas, tecnologia usada para ajudar a reter água e a infiltrar água no solo; evitar a capina, ação que agride o solo; escolher o local ideal para se fazer uma estrada rural, e não contribuir com o deslocamento de terra; fazer represas em pontos estratégicos; preservar a mata, dando atenção especial a áreas de recarga hídrica.

Fazer um planejamento de produção de forma com que seja sustentável. “Entender que onde tinha mata passou para o café, o solo empobreceu, chegou no capim e hoje nem o capim está saindo é uma consequência”, explica César falando sobre o uso inadequado do solo.

Esses cuidados estão diretamente relacionados com o ciclo hidrológico. Um solo pobre, compactado, sem cobertura vegetal, tem a capacidade de absorção de água drasticamente reduzida.

César explica que o solo é o reservatório natural de água. Se a água não infiltra, não tem água nas nascentes, nem nos rios. “A partir do momento que o produtor entende que a água que infiltra no terreno é a água que alimenta o córrego dele, ele pensa eu tenho que conter esse escoamento superficial", explica o especialista.

Degradação do solo

Outro problema proveniente da degradação do solo é a formação de grandes bancos de areia nos rios, principalmente nesta época de seca. Quando o solo está desprotegido, na época das chuvas a terra desliza para os cursos de água e isso faz com que aconteça o assoreamento dos rios.

A cobertura vegetal tem o papel de reter essa água e até mesmo diminuir sua velocidade, evitando assim a erosão do solo e o acúmulo de sedimentos nos cursos de água.

Além desse grave problema ocasionado pelo uso inadequado do solo, para se entender o cenário atual, deve-se considerar vários outros fatores que potencializam essa situação. A degradação do solo não é a única causa. A situação atual, que trouxe e vai continuar trazendo tantos impactos para o campo e para a cidade, é complexa.

O professor do Ifes, Abrahão Elesbon, doutor em engenharia agrícola, resume as cinco principais questões relacionadas ao problema. Ele também ressalta que apenas a primeira não é causada pelo homem.

Evento climatológico

O primeiro fator é o evento climatológico, ou seja, a falta de água - uma das mais fortes estiagens da história -; em seguida, o aumento do consumo, a demanda crescente por água, por comida; o terceiro motivo é o uso inadequado do solo da bacia, em teoria, na época de chuva a água deveria infiltrar no solo para que o ciclo hidrológico continuasse na época de estiagem, o que não acontece por causa da alta degradação.

O outro motivo é a qualidade da água considerando as várias formas de poluição, seja por produtos químicos ou por esgoto, e, por último, mas igualmente importante, a degradação socioambiental da população, que potencializa o uso inadequado dos recursos naturais.

Dentro dessas causas, o professor aponta alguns números impactantes que demonstram como a sociedade necessita de uma transformação radical no modo como lida com os recursos naturais.

Por exemplo, dos quase 230 municípios que formam a Bacia do Rio Doce, apenas oito tratam o esgoto.

Ou seja, o restante joga o resíduo direto nos rios. “Os nossos animais não fazem suas necessidades na água que tomam. Nós, seres humanos, que deveríamos ser os racionais, fazemos. Isso é algo que não é admissível mais”, diz Abrahão.

Água

Outra questão que ainda precisa avançar é a água usada na agricultura, que é corresponde a cerca de 70% do total do recurso captado. A média de eficiência da irrigação no estado é de 60 a 65%. Muita água não é aproveitada.

E a irrigação é uma forma de simular chuva artificial, é preciso ter conhecimento para fornecer à planta apenas o que ela precisa para o seu desenvolvimento.

Seja no campo ou na cidade, o que é necessário é usar a crise como forma de reflexão e para implementar uma mudança efetiva na relação com os recursos naturais.

Os especialistas já previam a chegada de um momento como este, a história apontou para este caminho. “Para mim isso é uma tragédia anunciada, há mais 20 anos que a gente, profissionalmente, vem sendo forjado nessa área. Esse cenário já era esperado. Não tem nada de estranho. Podemos voltar a ter chuvas regulares, se a demanda de água continuar nesse nível, vai continuar faltando água. Chegar na época da seca, os conflitos surgem novamente, os rios vão secar novamente”, afirma César.

Fonte: g1-ES