ECONOMIA NACIONAL

Banco Central: As políticas de Ilan Goldfajn contra os juros altos

A chegada de Goldfajn ao BC fez o mercado e os bancos respiraram aliviados.

Em 15/04/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Em maio de 2016, quando a indicação de Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Central (BC) tornou-se uma certeza, o mercado e os bancos respiraram aliviados. Sua chegada prometia uma gestão sem sustos, após a controversa atuação de Alexandre Tombini, considerado brando demais com a inflação. Com graduação, mestrado e doutorado em economia, Goldfajn trazia uma carreira acadêmica sólida e experiência tanto no setor privado quanto no setor público. Era economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco, e havia sido um dos diretores do BC na gestão de Armínio Fraga. Na cabeça do mercado, ele reconduziria a inflação aos trilhos – e só isso já estaria de bom tamanho.

Dois anos depois, porém, o economista nascido em Israel e criado no Rio de Janeiro tornou-se uma das maiores surpresas do governo de Michel Temer. Ele não apenas conduziu a taxa Selic para inéditos 6,5% ao ano, o menor patamar da história, como realizou mudanças no sistema financeiro que estão tirando os bancos da zona de conforto. Em menos de dois anos à frente do BC, ele alterou a forma como são cobrados os juros nos cartões de crédito, e, na semana passada, iniciou um processo semelhante para o cheque especial. Está alterando a legislação para facilitar a vida das fintechs e das cooperativas de crédito e, assim, aumentar a competição no sistema financeiro. Goldfajn também facilitou a vida do assalariado que quer mudar de banco e colocou em marcha o cadastro positivo. Tudo isso para tornar o crédito mais abundante e barato, e tirar milhões de brasileiros, tanto indivíduos quanto empresas, do sufoco dos juros altos pagos nos empréstimos.

Muita coisa já estava feita

Goldfajn é cuidadoso para não personalizar essas realizações. “Quando cheguei ao BC, muita coisa já estava feita, são projetos que apenas peguei e disse ‘chega de deixar isso na gaveta, vamos colocar em prática.’”, diz ele à DINHEIRO (leia a entrevista completa ao final da reportagem). No início de sua gestão, ele lançou uma extensa agenda de reformas, denominada BC+. Seu diagnóstico inicial foi tão simples quanto preciso. O mercado de crédito, diz ele, tem muitas travas. Por isso, o spread bancário, que é a diferença entre o que os bancos pagam aos investidores e cobram dos tomadores de crédito, não só é o mais alto do mundo. Ele também demora a cair, apesar da queda da taxa Selic (observe os gráficos no decorrer da matéria). “A Selic é apenas um dos componentes da taxa bancária. O resto é falta de garantias, custos administrativos, custos trabalhistas, inadimplência, falta de informação, carga tributária alta, depósitos compulsórios”, diz ele. “Vamos ter de lidar com tudo isso ao longo do tempo.”

Parte desse processo de enfrentamento tem medidas que vão ao encontro do que os bancos vêm pleiteando há tempos. Uma delas foi a redução dos compulsórios, uma das muitas jabuticabas brasileiras. Funciona assim. Os bancos captam dinheiro de quem tem e emprestam para quem precisa. No Brasil, parte dos recursos captados fica compulsoriamente depositada no Banco Central, o que reduz o capital à disposição dos bancos. Segundo Goldfajn, essa é uma das muitas causas das taxas de spread elevadas. Para aliviar o problema, em março deste ano o BC reduziu o compulsório dos depósitos a vista de 40% para 25%, e os das cadernetas de poupança de 24,5% para 20%.

Outras decisões

Outras decisões, porém, foram menos coincidentes com a vontade dos bancos. O melhor exemplo foram as alterações nos empréstimos rotativos do cartão de crédito, anunciadas em março do ano passado. Antes das mudanças, o cliente que não honrasse a fatura do cartão permaneceria indefinidamente pagando os juros do rotativo, que chegavam a 490% ao ano. Pela nova regra, após um mês no rotativo, o empréstimo passa a ser convertido automaticamente para uma modalidade de crédito mais barata. As taxas do rotativo ainda permanecem em escorchantes 334% ao ano, mas o movimento deu frutos. O BC é o responsável pela fiscalização e pela regulamentação do sistema financeiro, e seu poder é absoluto e incontestável. Assim, o fato de as mudanças no cartão de crédito terem sido definidas por decreto estimulou os bancos a repensar algumas de suas práticas tradicionais.

Uma delas foi a do cheque especial. Na semana passada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou sua intenção de mudar suas regras. A partir de julho, os clientes que usarem mais de 15% do limite por 30 dias poderão, se quiserem, ter acesso a um empréstimo mais barato. A diferença com o caso dos cartões é que a mudança será voluntária. Por que abrir mão de cobrar juros altos? Murilo Portugal, presidente da Febraban, diz que uma das orientações da entidade sempre foi promover a educação financeira dos 150 milhões de clientes do sistema bancário, e indicar alternativas ao cheque especial. Porém, diz ele, esse assunto ganhou relevância no ano passado. “Depois das mudanças no cartão de crédito, resolvemos examinar mais especificamente o cheque especial”, diz ele. “Ouvimos vários clientes, fizemos pesquisas de grupo, e todos rejeitaram mudanças compulsórias.” Daí a disposição dos bancos em abrir mão de uma fatia dos ganhos. O impacto será pequeno, diz Portugal. “Em fevereiro, o saldo do cheque especial era de R$ 25 bilhões, o que é apenas 1,5% do total de empréstimos concedidos à pessoa física.”

Os analistas concordam. “O percentual do cheque especial na receita dos bancos é mínimo, e as perdas não terão impacto importante no balanço”, diz Vitor Martins, analista da Planner Corretora. “Temos de observar a velocidade de implantação disso e também a adesão dos clientes, pois não é compulsório.” No entanto, quem conhece o sistema avalia que a atuação do BC no caso dos cartões levou os bancos a negociarem uma mudança voluntária, em vez de terem de se adaptar a uma decisão unilateral. Alheia aos meandros da decisão, a indústria aplaude. “Os juros cobrados do consumidor e das empresas continuam sendo os maiores do mundo”, diz Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que, em março deste ano, lançou a campanha “Não vou engolir o sapo”, atacando diretamente as taxas cobradas pelos bancos. “Espero que o sapo vire o símbolo da indignação das pessoas em relação aos juros altos”, diz Skaf.

O pilar da política

O pilar da política de Goldfajn é estimular a competição no sistema financeiro. A concentração é elevada. Os cinco maiores bancos (Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) respondem por 72,9% dos empréstimos. Somando-se essa fatia à dos bancos menores, o percentual sobe para 96,2%. As cooperativas de crédito não chegam a 4% do mercado (observe o quadro “Nas mãos de poucos” acima). Pragmático, o presidente do BC sequer discute o fato. “Temos de discutir se há ou não competição no sistema”, diz ele. E sua meta é ampliar essa competição, facilitando a vida dos concorrentes dos bancos.

Em meados do ano passado, o BC mudou as exigências para as cooperativas de crédito, reduzindo o peso da burocracia, com vistas a baixar os custos. Até o fim de abril, diz Goldfajn, deve sair do forno a regulamentação das fintechs de crédito. “Vamos deixar claro o que elas podem ou não fazer”, diz ele. Com uma garantia: os bancos não poderão, em nenhuma hipótese, dificultar a vida do cliente que resolver servir-se de uma delas. As fintechs estão no topo da agenda de Goldfajn, e não por seu tamanho. “Mas sim pelo fator inovação, de mudança de cultura, de criar novos mecanismos que gerem disrupção”, diz ele.

O pilar da política de Goldfajn é estimular a competição no sistema financeiro. A concentração é elevada. Os cinco maiores bancos (Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) respondem por 72,9% dos empréstimos. Somando-se essa fatia à dos bancos menores, o percentual sobe para 96,2%. As cooperativas de crédito não chegam a 4% do mercado (observe o quadro “Nas mãos de poucos” acima). Pragmático, o presidente do BC sequer discute o fato. “Temos de discutir se há ou não competição no sistema”, diz ele. E sua meta é ampliar essa competição, facilitando a vida dos concorrentes dos bancos.

As exigências para cooperativas

Em meados do ano passado, o BC mudou as exigências para as cooperativas de crédito, reduzindo o peso da burocracia, com vistas a baixar os custos. Até o fim de abril, diz Goldfajn, deve sair do forno a regulamentação das fintechs de crédito. “Vamos deixar claro o que elas podem ou não fazer”, diz ele. Com uma garantia: os bancos não poderão, em nenhuma hipótese, dificultar a vida do cliente que resolver servir-se de uma delas. As fintechs estão no topo da agenda de Goldfajn, e não por seu tamanho. “Mas sim pelo fator inovação, de mudança de cultura, de criar novos mecanismos que gerem disrupção”, diz ele.

Cris Junqueira, cofundadora do Nubank, é outra que aplaude as iniciativas de Goldfajn. Sua fintech foi recentemente autorizada a operar como financeira, o que vai lhe permitir captar recursos no mercado. Na prática, o Nubank fará jus às quatro últimas letras de seu nome. Nada disso teria sido possível sem as mudanças recentes na legislação. “O BC mostra uma filosofia aberta, moderna, uma vontade de entender as novas tecnologias, de dialogar”, diz ela. Goldfajn vê essas realizações com serenidade. “O atual governo veio com uma proposta de reformas, e aproveitamos essa janela de oportunidade”, diz ele, que não se vê como alguém que decidiu enfrentar o sistema financeiro. Indagado sobre como gostaria de ser lembrado no dia em que deixar o cargo, Goldfajn é humilde. “Eu gostaria de ser lembrado como alguém que trabalhou muito, no dia a dia, não só no combate à inflação, mas para ver se a gente consegue que a inflação fique assim baixa não só por mais um ano.”

Colaboraram: Luís Artur Nogueira, Rogério Godinho, Priscilla Arroyo, Carlos Eduardo Valim e Luana Meneghetti

Foto: Wenderson Araujo