ESPORTE INTERNACIONAL

Barça admite ter contratado Neymar antes do prazo permitido pela Fifa.

Dirigentes do clube catalão disseram que pagamento de 10 milhões de euros, em 2011, foi um sinal.

Em 04/01/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O presidente do Barcelona, Josep Maria Bartomeu, e seu antecessor, Sandro Rosell, declararam à Justiça da Espanha que fecharam a contratação de Neymar em dezembro de 2011, quando o jogador tinha contrato com o Santos até agosto de 2014, com o pagamento de um adiantamento de 10 milhões de euros.

Segundo as regras da Fifa, um atleta só pode assinar com outro clube quando faltar menos de seis meses para o fim de seu contrato. Esta negociação, porém, foi autorizada pelo então presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro (morto em 2016). Barcelona e o estafe de Neymar descreviam esse pagamento como um empréstimo.

O GloboEsporte.com obteve áudios e transcrições dos depoimentos prestados por Rosell em 2014 e Bartomeu em 2015 no âmbito de uma investigação movida pelo fisco espanhol. O caso foi encerrado por meio de um acordo – o Barcelona aceitou pagar uma multa de 6 milhões de euros às autoridades da Espanha. É o motivo pelo qual nem o clube europeu e nem Neymar quiseram comentar o caso.

Num depoimento prestado em julho de 2014, Rosell declarou ao juiz Pablo Ruz que havia outros clubes interessados em contratar Neymar, e por isso recorreu a um adiantamento para assegurar que o jogador fecharia com o Barcelona. O estafe de Neymar tinha uma carta do então presidente do Santos, Luis Alvaro Oliveira Ribeiro, que os autorizava a negociar.

– Havia outros clubes com outras cifras. Então, quando voltamos a acertar por 40 milhões de euros [...] o pai de Neymar me disse: "Isto é o sinal?". E então eu lhe disse: "Muito bem, quanto quer de sinal?". "Quero 10 [milhões de euros]". "Pois te daremos o sinal de 10". Sorte que ele me pediu, senão eu teria oferecido. Eu teria dito: "Veja, não quer nada adiantado?"

– E essa negociação, entende você, é um pagamento como sinal – comentou o juiz Ruz. 

– Um sinal muito bem pago com empréstimo – respondeu Rosell.

O juiz insistiu: 

– Quando alguém fala em um sinal é uma coisa, quando se fala de empréstimo é outra. Por isso, digo: quero saber se o que se conversou entre vocês foi de adiantar um sinal e o clube (Barcelona) decidiu que se formalizaria como um empréstimo. É assim, verdade? 

Nos áudios, porém, não é possível ouvir a resposta de Rosell a esta pergunta. O dirigente renunciou e foi sucedido por Josep Maria Bartomeu, que também prestou depoimento sobre o caso. Numa audiência realizada em fevereiro de 2015, Bartomeu declarou: 

– Havia três jogadores neste país [Brasil] muito interessantes para contratar. Dos três, dois foram para outros clubes europeus, sobrou Neymar. Então iniciamos uma conversa com o pai de Neymar para que quando acabasse o contrato com o Santos, viesse jogar no Barcelona. É um contrato um pouco para amarrar o jogador. No momento que ficasse livre do Santos, viesse jogar no Barcelona. No fundo, é um contrato para amarrar. É um contrato como se fosse... não um pagamento antecipado, mas quase-quase um pagamento antecipado para assegurar que ele não fosse para outro clube.

A assessoria de imprensa de Neymar informou que não comentaria o caso porque ele já foi encerrado pela Justiça na Espanha. O Barcelona enviou uma nota ao GloboEsporte.com na qual diz: 

– A Justiça já dispõe de toda a informação requerida sobre o tema e não há nada mais a acrescentar nem comentar por parte do clube. 

O contrato de empréstimo

O caso em que esses depoimentos foram tomados já foi encerrado. Há outro em curso na Espanha. E há ainda uma ação movida pelo Santos contra o Barcelona na Fifa. 

O clube brasileiro acusa o espanhol de aliciamento, por entender que houve assinatura de pré-contrato fora do período de negociação permitido pela Fifa (os últimos seis meses de um contrato).

O pagamento de 10 milhões de euros feito em 2011 é um dos argumentos do Santos nesta ação. Porém, a autorização dada por Luis Alvaro Oliveira Ribeiro, presidente em 2011, deve enfraquecer a posição do Peixe na disputa. Hoje, o Santos tenta convencer a Fifa que a carta não permitia ao atleta assinar contrato sem o conhecimento do clube. 

Barcelona e Neymar começaram a conversar na metade de 2011. De agosto a novembro daquele ano, o clube catalão enfrentou forte concorrência do Real Madrid. Para assegurar a contratação, o Barça adiantou 10 milhões de euros à N&N Consultoria, uma das empresas do pai de Neymar.

As duas partes sempre trataram este pagamento como um empréstimo, um contrato civil, não esportivo, e portanto fora da legislação da Fifa. À corte espanhola, os dirigentes do Barcelona falam abertamente sobre o pagamento de um "sinal" e relatam preocupação em esconder o adiantamento por meio de um contrato de empréstimo. 

No dia 15 de novembro de 2011, o Barcelona assinou um contrato com a N&N, companhia criada semanas antes. Nesse acordo, as partes acertam a transferência de Neymar ao Barcelona por 40 milhões de euros e definem até os salários que o craque ganhará.

Em 6 de dezembro de 2011, poucos dias antes de o Santos enfrentar o Barcelona na final do Mundial de Clubes, foi firmado um contrato de 10 milhões de euros – no documento estão as assinaturas de Neymar, de seu pai, de Rosell e do então vice de finanças do Barcelona, Javier Faus Santasusana. Os demais 30 milhões seriam pagos em 2013, quando Neymar finalmente se transferiu para o clube catalão.

Discrição

No interrogatório, Rosell detalhou como negociou diretamente com o pai de Neymar este pagamento. Segundo o cartola, sempre ficou claro que se tratava de um adiantamento. O corpo jurídico do Barcelona, porém, entendeu que era melhor formalizar o contrato como um empréstimo. 

Durante a audiência, Ruz citou que o valor apareceu no balanço financeiro do Barcelona de 2011 sob a rubrica "intangível imobilizado desportivo", um conceito utilizado para aquisição de direitos de atletas, renovações e similares. O juiz questionou Rosell se o cartola entendeu essa como a melhor forma de contabilizar o montante e recebeu resposta positiva do dirigente. Que explicou: 

– Nós tínhamos um acordo com o pai, Neymar Senior, de que faríamos o empréstimo, e ele então disse: "E alguém saberá?". Dissemos: "Bom, tentaremos que não". Tem que saber quem tem que saber, que é o auditor (do balanço), e depois colocamos nas contas – disse Rosell ao juiz. 

– Havia a preocupação óbvia (do pai de Neymar) de que saberiam que seu filho havia assinado com um clube e que tinha chegado a um acordo para a transferência do jogador dois anos antes de ir. Dissemos: "Tentaremos ser os mais prudentes e cautelosos que pudermos" – completou Rosell.

Em seu depoimento, Bartomeu também fala sobre a necessidade de tratar o assunto "com discrição".

– Tentamos tratar com a máxima discrição, para que não houvesse vazamentos, [...] porque o jogador estava no Santos, era importante que a torcida do Santos não soubesse. Havia um pré-acordo com um time que não era o dele. Por isso tratamos com tanta discrição.

Sem garantias

Ao contrário do que normalmente ocorre num contrato de empréstimo, o Barcelona não exigiu qualquer garantia da N&N no acordo fechado em 2011. O que gerou estranheza no juiz Pablo Ruz.

– Você teve conhecimento, quando assinou o empréstimo, do porquê de não contemplarem juros ou garantias de devolução, como é habitual em contratos de empréstimo econômico? – perguntou Ruz a Rosell.

– Não – respondeu o dirigente. 

– Te pareceu estranho que não se contemplam juros no acordo de empréstimo? – voltou a questionar o juiz. 

Rosell se esquivou: 

– Não, não. Porque... bom, sigo convencido de que tudo feito pelo clube foi perfeito e legal e amparado na lei.

Por Leonardo Lourenço / GE