NEGÓCIOS

Consumidor é peça chave para sustentabilizar a indústria da moda

Disse Paulo Correa, 53 anos, diretor-presidente da C&A para o Brasil.

Em 01/12/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

FOTO: Grazi Ventura

Uma das paixões do carioca Paulo Correa, 53 anos, é praticar kitesurf. Três vezes ao ano, ele costuma trocar a rotina do dia a dia à frente da operação brasileira da C&A pela beleza natural da Praia do Preá, no litoral cearense.

Há outra rotina da qual ele não abre mão. Correa se reúne todos os meses com comitês de ex-clientes da C&A. “São pessoas que deixaram de ir às lojas e nós queremos entender os motivos”, afirma ele.

“Nós as levamos para conhecer os novos padrões de lojas e ouvimos o que elas pensam. O que não é bem aceito, nós trabalhamos melhor”, disse Correa à reportagem durante o evento Fashion Features, promovido pela empresa em 23 de novembro, para discutir o futuro da moda por meio de ações sustentáveis.

Com 14 anos de casa, Paulo Correa assumiu a operação da C&A no Brasil em 2015, auge da recessão econômica. Hoje o mercado dá pequenos sinais de melhora. A receita do varejo de vestuário deverá crescer 2,7% este ano, alcançando R$ 226,4 bilhões, segundo dados do instituto de pesquisas IEMI — Inteligência de Mercado. Em 2017, o avanço foi de 9%. Com 279 unidades e 15 mil funcionários no País, a empresa guiada por Correa lidera transformações a favor de uma produção mais sustentável, tornando-se exemplo numa indústria que é constantemente acusada de não respeitar preceitos básicos dos direitos humanos.

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Qual é importância da indústria da moda hoje no Brasil e no mundo?

A moda é a forma como você se expressa para o mundo. Quando você resolve colocar uma roupa, qualquer uma, existe um processo consciente ou não para a escolha. Isso vai demonstrar, de alguma forma, o seu humor ou a sua expectativa. No início do século 20, a moda era fechada em um número reduzido de casas que ditavam a tendência.

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E durante muitas décadas esse modelo prevaleceu, definindo se as pessoas pertenciam ou não à moda. A evolução é o que nós estamos fazendo hoje em dia. A sua expressão tem a ver com a sua forma de ser, com aquilo que você acredita e gosta. Agora as redes sociais possibilitam que a tendência venha de tudo quanto é lugar. Hoje, de fato, dá para todos se informarem sobre o que acontece em qualquer parte no mundo. Essa é a beleza da história, porque tem a ver com aquilo que nós sempre acreditamos que é a inclusão para todos, sem preconceito e sem rótulos.

O mercado de vestuário ainda é muito pulverizado no Brasil. Qual é o desafio para as grandes empresas do segmento?

CORREA – O mercado de vestuário é pulverizado no Brasil desde sempre. Ganhamos participação ao longo desses últimos anos, mas, mesmo assim, o nível de informalidade ainda é a pior parte. É altíssimo. Eu costumo enxergar o copo meio cheio e meio vazio. Por um lado, existe essa concorrência desleal que não ajuda ninguém, mas por outro lado isso gera uma oportunidade de crescimento enorme. Existem muitas empresas de muitos formatos diferentes. Essa pulverização dá uma possibilidade de crescimento grande para todos.

A ONG Repórter Brasil cita a C&A como uma das referências de mercado quando o assunto é o mapeamento da cadeia de fornecedores. Como isso funciona?

Nós estamos trabalhando nisso há mais de dez anos. No final da história, ou você leva a sério o assunto ou não o leva a sério. Honestamente, acho que esse é o ponto. Na C&A, nós temos uma plataforma global de sustentabilidade. Um dos elementos é a rede de fornecimento que começa com a avaliação de fornecedor. “Esse cara pode ser fornecedor da C&A? Bom, vamos lá ver as condições…” Nós visitamos uma a uma as oficinas com as quais ele trabalha. Depois disso, passamos para a fase do contrato. Falamos claramente como é que tem que ser esse fornecimento, porque em determinadas discussões não tem negociação. Trabalhos análogos à escravidão, por exemplo, não têm discussão.

Recentemente a M. Officer recebeu uma condenção por trabalho análogo à escravidão. Já houve advertências, entre mais leves e mais greves, à Renner, Pernambucanas, Marisa e Zara. Como o mercado pode atuar para que situações assim não ocorram?

 Nós entendemos que, pelo nosso tamanho, temos o papel de influenciar o mercado nesse sentido. Isso é levado muito a sério. Nós já perdemos inúmeros fornecedores que fazem produtos interessantes, bonitos e competitivos, mas que não cumprem condições mínimas que estabelecemos.

“Nós já perdemos inúmeros fornecedores que fazem produtos interessantes, bonitos e competitivos, mas que não cumprem condições mínimas”Desde 1995, segundo a ONG Repórter Brasil, mais de 52 mil pessoas foram resgatadas por condições análogas à escravidão na indústria da moda

A C&A atua com os fornecedores para o desenvolvimento dos produtos?

Sim. Depois que começa esse processo, nós estamos juntos com esse fornecedor, com consultores e auditores, em todas as oficinas que ele opera. Nós estamos juntos com ele o tempo inteiro. Não existe a hipótese de deixar de visitar periodicamente o fornecedor. Se, por acaso, ele desenvolver uma oficina nova, isso tem que ser falado, porque está tudo registrado em contrato. É um trabalho em conjunto, cujas regras são muito claras. Hoje, nós temos mais de 200 fornecedores. A nossa lista está disponível no site, para todos que quiserem saber de onde vem os nossos produtos. Antigamente, isso era um segredo estratégico.

O dólar disparou este ano. Isso chegou a afetar a operação da C&A no Brasil?

Afetou pouco, porque a maioria dos nossos produtos é feita aqui no País. Apenas um conjunto menor é importado. Além disso, nós sabíamos que existiria, por conta das eleições, alguma flutuação cambial. Então fizemos alguns contratos de hedge, que preservaram o valor do dólar ao longo deste ano. O impacto disso na nossa operação foi realmente muito pequeno.

Algumas empresas do mercado de moda estão trabalhando sem caixa e sem estoque nas lojas. É um modelo que já vem sendo utilizado nos Estados Unidos e em redes brasileiras. A C&A já desenvolve uma forma de pagamento nos próprios provadores. Acredita que isso pode se tornar tendência no País?

Há muitas coisas acontecendo em várias frentes. Nós temos, em algumas de nossas lojas, a possibilidade de você pagar a sua compra diretamente no provador. Não é uma tecnologia diferente, é muito mais uma ação de conveniência. Também começamos a fazer um experimento, em duas lojas, de pagamento pelo aplicativo, que estamos chamando de self-checkout. Por esse método, o cliente pode escanear as etiquetas pelo nosso aplicativo e aproveitar um caixa especial nas lojas, que apenas confere e tira os alarmes das peças. Um outro formato, que lançamos há 15 dias na loja do Leblon, no Rio de Janeiro, é o de uma coleção que chamamos de “mindse7”. Trabalhamos com apenas uma peça de cada tamanho em cada coleção. A pessoa experimenta e, caso goste, pode fazer a compra pelo próprio aplicativo ou por meio de um iPad disponível na loja. Ela concretiza a compra e receber o produto em casa.

Como foi possível elevar as vendas em meio a um cenário macroeconômico tão desafiador como o desses últimos anos aqui no Brasil?

O desafio é conseguir olhar para o curto prazo e entender que ele é o seu passaporte para o longo prazo. Ou seja, não existe longo prazo se você não conseguir passar pelo curto prazo de maneira sustentável. Nós tivemos que tomar decisões difíceis. No fundo, queríamos maximizar tudo, mas em momentos como esse é preciso fazer escolhas. Mas tomamos todas as decisões difíceis que precisavam ser tomadas e, ao mesmo tempo, iniciamos uma série de iniciativas de sustentabilidade, construção de coleção, modelo de loja, experiência no ponto de venda…

 Qual escolha você diria que foi a mais difícil?

CORREA – A redução dos níveis de estoques da companhia. Focamos naquilo que era relevante para o cliente. Quando você está passando por um momento desses, é necessário trabalhar com um nível de estoque menor em determinadas lojas.

“O desejo do brasileiro por moda é alto. As pessoas aqui curtem se cuidar. Não é à toa que um dos maiores mercados no País é o de beleza”A receita do varejo de vestuário deverá crescer 2,7% este ano, alcançando R$ 226,4 bilhões, segundo dados do IEMI — Inteligência de Mercado

Então podemos dizer que a recessão também impactou os resultados da C&A no Brasil?

Sim. Ela fez com que nós fechássemos algumas lojas. De 2012 a 2014 houve boom de novos projetos imobiliários, com shopping centers e empreendimentos, e existia um cenário que indicava a continuação do crescimento. À medida que isso não aconteceu, tivemos a necessidade de revisarmos a nossa participação nesses projetos. Ao mesmo tempo, começamos a olhar para os projetos que já tínhamos para ver o que podíamos ajustar para fazer essas lojas funcionarem de forma mais eficiente. Isso foi muito importante naquele momento.

A moda é acessível a todos os públicos hoje em dia?

Eu acredito que existe solução na moda para todo mundo. Mas as soluções são diferentes. Com o crescimento da classe C, muitos foram incluídos economicamente nesse mercado. O desejo do brasileiro por moda é alto. As pessoas aqui curtem se cuidar. Não é à toa que um dos maiores mercados no País é o de beleza. O brasileiro é preocupado com a sua imagem, com o seu jeito, gosta de mais cores e mais alegria. É mais informal, mais alegre e mais para cima do que, por exemplo, pessoas que vivem em outros grandes centros na América do Norte e na Europa.

A C&A e a Renner estão investindo em coleções sustentáveis. Existe demanda do consumidor para essa produção no Brasil?

É como a adoção de uma nova tecnologia: a primeira curva às vezes parece lenta, mas ela é claramente uma curva crescente. Faço várias reuniões com clientes e pergunto se essas ações são importantes. E sempre alguém fala que esse tipo de investimento é essencial. A beleza das redes sociais e da revolução digital é que todo tipo de adoção pode ser exponencial. Um país que tem um nível alto de consciência com relação a esses produtos é a Alemanha. Mas eu vejo que nós estamos progredindo rapidamente aqui no Brasil. O consumidor tem um papel chave nessa transformação, pois é ele que está no controle, ele é quem manda.

E qual o papel das empresas?

Temos que propor, inovar e, de algum jeito, educar também. Estamos organizando eventos sobre a importância da economia circular, com participação de estudantes de moda e ativistas. E isso é um processo contínuo. Quanto mais as empresas entrarem nesse caminho, mas rápido essa adoção irá acontecer, porque começa a ter oferta, demanda e a estruturar cadeias, como fornecedores e agricultores com um nível de consciência cada vez maior para isso. Nós temos um compromisso global de ter 100% do nosso algodão mais sustentável em 2020. Hoje, estamos com 55%.

Qual a importância do e-commerce para o varejo de moda? A própria C&A passou um longo tempo fora desse canal e só voltou ao online em 2015…

Fomos pioneiros 15 anos atrás. A C&A lançou não só o canal online como também a primeira guide shop no Brasil. Mas, naquele momento, aquilo não era tão relevante para a sociedade e a empresa saiu do e-commerce. Quando voltou, em janeiro de 2015, rapidamente esse canal se tornou a loja número 1 da C&A. Na verdade, não existe diferenças entre os canais, o que existe é a conveniência e o seu momento. O processo de pesquisa dos clientes está extremamente digital hoje em dia. Eles procuram os produtos na loja, para experimentar, e compram pela internet, mas o contrário também acontece. Não sabemos mais onde o processo de compra começa e onde ele termina.