ECONOMIA NACIONAL

Crise, prejuízos e conflitos provocam quebra e fechamento de franquias.

A recessão já bateu também na caixa registradora das franquias

Em 11/04/2016 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Denis desistiu da franquia menos de 2 anos depois da abertura. Luciana baixou as portas no começo deste mês, mas ainda busca um acordo para ficar livre da multa por fechamento antes do término do contrato. Maria conseguiu assinar o distrato, mas a dívida que acumulou tem prestações com vencimento até setembro. Já Patrícia está só esperando acabar o que tem em estoque para encerrar as atividades.

"Não foi nada do que eu pensei. A franquia era um sonho e hoje é um pesadelo. Quando eu adquiri, era R$ 40 mil a previsão de vendas/mês. [Atualmente] Não consigo vender R$ 20 mil/mês. O custo fixo da minha operação é muito alto, os royalties são muito altos e vai virando uma bola de neve", afirma Patrícia Baxmann Capoluto, 30 anos, que está em processo de encerramento de um ponto da Chocolates Brasil Cacau, em São Paulo, após acumular mais de R$ 200 mil em dívidas.

Ainda que o setor de franchising continue se mostrado um dos mais resistentes à crise econômica, a recessão bateu também na caixa registradora das franquias, provocando prejuízos, acirrando conflitos e evidenciando problemas e fragilidades de alguns modelos de operação – o que tem feito crescer o número de fechamento e de empreendedores que estão trocando a aposta no negócio próprio "de grife" por uma coleção de perdas e frustrações.

Cresce mortalidade de franquias
Levantamento da consultoria Rizzo Franchise, que monitora o mercado há mais de 25 anos, mostra que o índice de mortalidade de pontos de franquia tem aumentado. Subiu de 3% em 2010 para 4% em 2011, passando para 5% em 2014. No ano passado, ficou em 6%, resultando em mais de 13 mil unidades fechadas no país.

"O índice está dentro de uma média mundial. Mas o que se nota é um crescimento da quebra das chamadas franquias de marca e produto", diz o consultor Marcus Rizzo. "Por deformação, ou por estamos em um processo de evolução, a grande maioria das franquias é de ‘empurraterapia’ de produtos", afirma.

Ele explica que, em muitas redes, o modelo é estruturado com foco apenas na revenda de produtos, de forma a "desovar" aquilo que é fabricado pelas marcas, com exigências de compras mínimas e estoques altos, o que acaba dando origem a muitos conflitos, principalmente em tempos de crise econômica, quando há forte queda nas vendas e as despesas fixas não caem.

A empresária Patrícia Capoluto conta que, quando surgiram as primeiras dificuldades com a franquia, foi convencida pela rede a abrir uma segunda loja para dar vazão a toda compra mínima contratual e evitar perdas de estoque em razão do prazo de validade dos chocolates.

"Eles sempre vêm com a história de que a loja precisa maturar para dar lucro. Quando eu tinha 6 meses de loja, o grupo de expansão falava que para eu ter dinheiro eu tinha que abrir a segunda loja, e eu abri", conta. "A gente acredita. Tudo mundo fala que o risco é pequeno. Achei que ia dar certo, mas acabei falindo".

Com pagamentos de royalties atrasados, ela acabou sendo bloqueada pela rede, e impedida de fazer novas compras. Para atravessar a Páscoa, afirma ter comprado sobras de outras lojas. Com a loja esvaziada, ela tenta agora um acordo com a franqueadora para minimizar as perdas e tentar recomeçar a vida.

Luciana Lloveras, 41 anos, fechou neste mês um ponto de venda da Ice Mellow  (Foto: Arquivo Pessoal)

Crise agrava prejuízos
Luciana Lloveras, 41 anos, que fechou neste mês uma franquia da Ice Mellow, após 3 anos administrando um ponto em São José dos Campos (SP), conta que a situação começou a piorar com a chegada de um concorrente no shopping e se agravou em meados do ano passado.

"Antes do país entrar em crise a gente conseguia ao menos pagar tudo", diz a empresária, que baixou as portas 4 meses antes do término do contrato, acumulando dívida de mais de R$ 200 mil, incluindo aluguel e royalties atrasados.

"Compramos a loja de outro franqueado, fizemos uma reforma na loja e chegamos a dobrar o faturamento. Mas, mesmo assim, ela só se pagava. O negócio sempre empacou e, desde janeiro, ficou crítico", afirma Luciana.

O advogado Daniel Dezontini, especializado na área de franchising, que assessora franqueados e fraqueadores, explica que até meados do ano passado a maioria das consultas que recebia era relacionada a problemas no relacionamento, mas que agora são as relacionadas a rescisão de contrato. "Desde agosto do ano passado, o número de casos de pessoas que simplesmente desistiram da atividade tem acontecido demais, recebo de 4 a 5 consultas por mês", afirma. "Tem cada vez mais marcas novas no mercado, isso não se reflete na viabilidade do negócio", completa.

'Para mim foi uma decepção'
A ex-franqueada Patrícia Maria Santos manteve por quase 3 anos com o marido uma franquia da rede Espetinhos Mimi em Mauá, na região do ABC, e também afirma que o agravamento da situação econômica foi determinante para a quebra do negócio.

Os preços subiram, o desemprego aumentou e o faturamento chegou a cair quase 50%", lembra. “Mudamos até de ponto para reduzir o custo do aluguel, mas chegou num ponto que falamos 'Não dá mais'”, completa.

Ela conseguiu no final do ano passado um acordo para encerrar a franquia antes do término do contrato, mas a dívida acumulada de mais de R$ 200 mil só será liquidada em setembro, com o pagamento das últimas parcelas que deve para o Fisco e fornecedores.

A ex-empreendedora reconhece que a sua inexperiência no setor contribuiu para o fracasso do negócio, mas atribui como principais causas para a quebra o alto custo operacional e a estruturação do negócio formatado pela franqueadora.

“Para mim foi uma decepção. O que se vende não é real. Usam o dinheiro do franqueado para fazer experiência. Aquilo que der certo, absorvem, o que não der certo, problema seu", critica.

Saudades do tempo de carteira assinada
A crise já faz balançar até mesmo os empreendedores que operam no azul. O empresário Ivan Kato, que abriu há 2 anos uma unidade da Ponto Natural, diz que o tombo de até 30% no faturamento o levou a passar considerar um eventual repasse do negócio.

"Ninguém sabe quanto tempo vai durar essa crise", diz o franqueado, que desde janeiro não consegue mais fazer retiradas para amortizar o valor investido.

Kato, que antes de abrir o negócio próprio trabalhava no mercado financeiro, afirma que, às vezes, sente saudade do tempo de empregado CLT, com salário fixo e férias. E revela que, hoje, pensaria duas vezes antes de recusar uma proposta de emprego como a que recebeu no final do ano passado. "Era boa, mas não era irrecusável. Mas, se aquela proposta aparecesse agora, eu ia", diz.

Setor cresce em ritmo acelerado
Para Marcus Rizzo, da consultoria Rizzo Franchise, o aumento do número de fechamentos reflete um descompasso entre a expansão das redes e criação de novas marcas. Nos últimos 10 anos, segundo dados da consultoria, o total de unidades no país cresceu 113% e o número de franqueadoras aumentou 142%.

Em 2015, o número de marcas de franquia em operação no Brasil chegou a 3.073, alta de 4,5% na comparação com o ano anterior, segundo balanço da Associação Brasileira de Franchising (ABF). Já o número de unidades de franquia em operação chegou a 138.343, o que corresponde a uma expansão anual de 10,1% frente ao ano anterior.

Muitas marcas sequer consolidam uma experiência antes de vender uma franquia. Um outro levantamento da Rizzo Franchise aponta que 31% das marcas oferecidas nunca experimentaram o próprio negócio e 43% não possuem unidades próprias.

"Os franqueadores brasileiros se acomodam nesse formato de vender produtos, e tem muitos com redes muito pequenas, em que ninguém consegue sobreviver, porque não se ganha escala e não se cria uma grande rede de franqueados para atuar de forma cooperada, de forma a comprar insumos pelos melhores preços e condições possíveis", opina.

O advogado Marcellus Ferreira Pinto, especializado na área de franchising, afirma que os contratos costumam deixar o franqueado numa condição de extrema vulnerabilidade diante do franqueador e do mercado. "Para o franqueador deixou de ser prioridadse a manutenção do negócio, pois ele sobrevive só da relação estabelecida com os franqueados", afirma o advogado, citando as taxas de abertura de franquia e royalties.

Patrícia Maria Santos, ex-franqueada da rede Espetinhos Mimi (Foto: Arquivo Pessoal)

Frustração e resistência
Além dos prejuízos, os empreendedores que abandonam o ramo de franquia costumam levar muita mágoa e frustração. "Hoje eu vi que a franquia não me viu como uma investidora, mas apenas como uma cliente de chocolate", diz Patrícia Capoluto.

"É tudo uma ilusão. Você paga um nome, mas na realidade é você que se ferra em tudo", critica Luciana Lloveras.

   PRINCIPAIS RECLAMAÇÕES

- Promessas de retorno que não se realizam;

- Taxa de royalties muito elevada;

- Exigência de compra mínima de produtos e de estoque maior que o necessário;

- Exigência de manutenção de oferta de produtos de pouca saída;

- Omissão de informações na assinatura do contrato;

- Falta de treinamento e suporte;

- Despesas fixas elevadas que não se pagam com as vendas;

- Dificuldade para flexibilizar as condições de contrato;

- Dificuldade para renegociar e parcelas dívidas com o franqueador;

- Obstáculos para repassar ou encerrar o negócio.

O empresário Denis Robert conta que se decepcionou com o setor poucos meses após a abertura de uma franquia da Polo Wear, em Vitória da Conquista (BA).

“Foi a primeira e única experiência de franquia que tive na minha vida. E vai ser a última também", diz o ex-franqueado, que conseguiu assinar em fevereiro o distrato, mas afirma ter perdido um investimento de mais de R$ 800 mil.

"Operei sempre no vermelho. O que eu vendia era praticamente para pagar o estoque que me empurravam. Para eu vender R$ 200 mil em um mês eu tinha que ter um estoque de R$ 600 mil”, afirma Robert, que atribui o fracasso da operação a sua falta de experiência e às exigências contratuais de compras mínimas de produtos.

Da empreitada frustrada, além do passivo, ele diz ter absorvido o aprendizado para abrir uma loja própria, menor mas multimarca. "Hoje opero no azul. Posso comprar aquilo que eu quero, controlo eu mesmo o meu estoque e não sou obrigado a ter coisas na que eu sei que não vou vender", explica.

O que dizem as marcas
A Chocolates Brasil Cacau, que pertence ao grupo dono da Kopenhagen, destacou que, em apenas 6 anos de atuação, chegou a mais de 500 lojas, mas não informou o número de fechamentos.

"Na avaliação do Grupo CRM, o movimento da marca durante 2015, considerando o cenário econômico do país, foi bastante natural, tanto os fechamentos de lojas quanto as aberturas de novos pontos. É importante destacar que o varejo ainda esta em um momento de cautela e o Grupo, atento, traçou um plano de expansão bastante conservador. Durante o ano de 2016, espera-se abrir no Brasil, aproximadamente, 45 novos pontos de vendas físicos, entre lojas e quiosques", afirmou, em nota.

A Net Franchising, franqueadora da Marca Espetinhos Mimi, informou que conta atualmente com 70 unidades franqueadas e que o índice de mortalidade em 2015 foi de 7,6% "por deliberação do franqueado ou da franqueadora". A empresa destacou, porém, que o faturamento da rede cresceu 8,5% na comparação com o ano anterior.

Com relação à unidade citada na reportagem, a marca destacou que foi assinado "distrato amigável" com a franqueadora. "Temos na rede Espetinhos Mimi franqueados que estão entrando no negócio bem como franqueados com mais de 25 anos de atuação. Uma vez inaugurada a unidade franqueada, um time de consultores de campo está sempre atuante para nortear e auxiliar o Franqueado para que tenha sucesso com seu negócio.  Acreditamos que somente assim conseguimos manter de forma sustentável e saúdavel o crescimento de uma marca", informou.

A Ponto Natural informou ter 39 lojas em operação e que a meta é chegar a 54 no final do ano. A rede disse que teve 5 unidades fechadas no ano passado. "Tivemos situações de baixa produtividade e engajamento de franqueado, e outra sim por conta da crise, por comprometimento de capital de giro da unidade. Ainda assim, tivemos um crescimento no faturamento de 55% em 2015 em relação a 2014, e mais 45% em número de unidades", destacou.

Procurada, a Ice Mellow não quis responder os questionamentos do G1. Já a Polo Wear não se manifestou até a última atualização desta reportagem.

Denis Robert, 35 anos, ex-franqueado da rede Polo Wear (Foto: Arquivo Pessoal)

O que diz a ABF
Para Claudio Tieghi, diretor de inteligência de mercado da ABF, a associação dos franqueadores, o percentual de fechamentos segue estável e não há razão para alarme.

"A avaliação da ABF é que esse é um índice estável e a justificativa disso é o ajuste constante da gestão, que é uma das grandes vantagens em negócios em redes de franquia. O empresário é acompanhado, é monitorado e orientado constantemente, e sempre há a busca da preservação do ponto de atendimento", afirma.

Pelos números da ABF, o índice de mortalidade de franquias foi de 4,4% em 2015. A associação não disponibiliza estatísticas de anos anteriores sobre fechamentos e nem o total de unidades fechadas. No balanço de 2015, a ABF informa apenas que o movimento de abertura e fechamento de pontos de venda ao longo do ano passado resultou em um saldo de 12.702 novas unidades franqueadas.

QUE CUIDADOS TOMAR

- Investigue antes de investir numa franquia;

- Lembre que o risco é inerente a qualquer negócio de franquia;

- Não assine a Circular de Oferta de Franquia se não tiver certeza que entendeu todas a regras e exigências;

- Converse com franqueados da rede e confira a lista de encerramentos (por lei, o contrato precisa listar os pontos que fecharam nos últimos 12 meses e em litígio);

- Estude com atenção as regras sobre pagamento de royalties e compras mínimas obrigatórias;

- Cuidado com franquias da moda e sem experiência no mercado

- Escolha a franquia pela qualidade e suporte e pela sua afinidade com a área, e não pelo custo do investimento inicial;

- Diante de dificuldades, busque alternativas para reduzir os custos fixos;

- Não faça retiradas mensais, se o fluxo de caixa não permitir; não confunda empresa com pessoa física;

- Tente renegociar o valor do aluguel e as taxas e condições de pagamento cobradas pela franqueadora;

- Procure se juntar a outros franqueados para alinhar reivindicações e pedir participar na gestão da rede;

A ABF informa disponibilizar um canal para denúncia e reclamações de franqueados e destaca que das mais de 3 mil marcas oferecidas ao mercado, apenas 1.200 são associadas.

“Quando alguém diz assim que o negócio não dava certo desde o início, não é porque a franqueadora tem ou não experiência, é porque ele não se apropriou das prerrogativas adequadas. Tem que conversar com o franqueado que está dando certo e que está tendo problema para reconhecer o negócio na origem", diz Tieghi.

Apesar da queda das vendas do varejo, a ABF destaca que o setor de franquias segue como um dos mais resilientes, com um índice de mortalidade historicamente inferior ao do varejo tradicional. O faturamento do setor de franquias cresceu 8,3% em 2015, atingindo R$ 139,59 bilhões.

"Não somos uma ilha, mas fizemos toda a lição de casa possível em 2015. Continuamos a aumentar o faturamento, preservamos empregos, ampliamos número de unidades. Mas é claro que nesse primeiro trimestre o que a gente vê é que está bastante difícil administrar essa gestão", diz Tieghi.

Direitos e deveres
Para o coordenador nacional de franquias do Sebrae, João Augusto Pérsico, tanto o franqueador como o franqueado costumam perder com o distrato e, por isso, a negociação costuma ser o melhor caminho para minimizar as perdas de ambos os lados.

"Existem determinados momentos em que o empresário não consegue lucro ou até não consegue pagar o que é devido pela empresa. Para análise mais criteriosa sobre o que está ocorrendo, é necessário elevar o senso critico e apurar os fatores", afirma o especialista, que recomenda o distrato apenas "em último caso".

O consultor André Friedheim, sócio-diretor da consultoria Francap, observa que a essência de qualquer negócio é o risco. "A maioria entende que falta de lucratividade é culpa do franqueador. Mas só pode ser atribuida ao franqueador se decorrer Por algum descumprimento contratual ou ilegalidade", afirma.

Os consultores concordam que mais importante no processo de abertura de uma franquia é pesquisa, planejamento, capacidade de gestão e, sobretudo, pleno conhecimento do formato e estruturação do negócio.

Por lei, toda COF (Circular de Oferta de Franquia) – principal documento na abertura de uma franquia  – deve listar todos os franqueados que atuam na operação bem como a relação dos que deixaram o negócio nos últimos 12 meses e os casos em litígio.

"Costumo dizer que franquia é um negócio tão legal  porque é como se você fosse casar com uma determinada mulher e tivesse a oportunidade de conversar com 5, 6 ex-maridos dela antes de tomar a decisão”, diz Rizzo.

Claudio Tieghi lembra ainda que o franchising é por essência um ambiente de colaboração e, nesse sentido, é fundamental que franqueados também tenham voz na gestão da marca e participem através da estruturação de um conselho de franqueados ou de comitês de novas unidades.

"Nenhum negócio fica ruim da noite para o dia. Quando aparece o problema, alguma coisa aconteceu na comunicaçao entre as parte ou a relação atingiu um nível de desgaste que se transformou em uma grande insatisfação. Não pode deixar chegar nesse ponto", conclui o diretor da ABF.

Número de marcas de franquia em operação no Brasil subiu 4,5% em 2015, somando 3.073 redes. (Foto: Darlan Alvarenga/G1)
Número de marcas de franquia em operação no Brasil subiu 4,5% em 2015, somando 3.073 redes. (Foto: Darlan Alvarenga/G1)

Por Darlan Alvareng/g1 sp