TEMAS GERAIS

Em 10 anos número de mulheres presas quase dobra em SP

A maioria delas, 68%, está presa por tráfico de drogas.

Em 11/07/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O número de detentas quase dobrou em 10 anos no estado São Paulo. Um crescimento bem maior do que nos presídios masculinos. O que vem superlotando as cadeias femininas pelo país pode ser resumido a uma palavra: drogas. Cerca das mulheres 68% estão presas por conta do tráfico. O perfil: jovens, com menos de 30 anos, e mais de um filho.

“Especialmente para as mulheres, quem nós estamos colocando dentro das cadeias é o pequeno traficante e não o grande traficante. E a gente vê isso muito especialmente em relação às mulheres. Não são mulheres que traficam armadas, que gerenciam o tráfico, que ganham altas somas de dinheiro com o tráfico. Elas são usadas por esse tráfico como instrumento fácil, ali, de transporte”, explica a defensora pública Juliana Garcia Beloque.

E quanto mais perto do tráfico, mais longe da família. É comum elas deixarem mais de um filho pra trás. Segundo Dráuzio Varella, médico, escritor e com trabalho de décadas no serviço de saúde das penitenciárias da capital paulista, é comum encontrar mulheres "com sete, oito filhos com certa frequência.”

“E aí tem outro filho depois depois mais outro. E ai como é que faz? Como que convive, como é que sustenta estas criança todas? Aí o tráfico oferece uma solução aparamente muito fácil, e este é o caminho que muitas adotam”, explica Dráuzio Varella.

Francisca Evelin Nunes Silva é uma delas. Ela revela que entrou para o tráfico de drogas para conseguir prover o mínimo de sustento aos filhos. “Por causa deles foi que eu fui para o tráfico, porque eu pensava neles. Meu filho chorava, meu filho chorava porque ele queria um leite, minha filha chorava porque ela não tinha um pão de manhã pra comer”, narra.

Baixa escolaridade

Uma realidade ainda mais difícil por causa da baixa escolaridade: 40% das presas no estado não têm o ensino fundamental completo. “Você tem esta visão romântica da cadeia também. ‘Ah! Coitadas destas mulheres, são pobrezinhas’. Não. Porque tem muitas outras que vivem assim, nasceram no mesmo lugar, enfrentaram as mesmas dificuldades e estão aí levando uma vida dura, trabalhando e gastando três, quatro horas por dia numa condução”, aponta Varella.

“O que a gente discute é que isso são fatores de risco, o que quer dizer o seguinte: que uma pessoa que vive nestas condições tem mais chance de acabar na cadeia, mas é um risco maior, não é um destino obrigatoriamente”, completa o médico.

Cristiane parou no segundo ano fundamental. Agora, com uma letra miúda, está escrevendo um livro sobre sua vida. Com voz baixa, delicada, conta por que matou o marido. “Um dia eu vi ele dormindo pelado do lado das minhas filhas. Esse foi um dos motivos porque eu vim parar aqui. Sabe, foi raiva, foi ódio, sabe, porque eu já passei por abuso na minha infância, então para mim aquilo tudo se repetiu de novo. E estava se repetindo de novo”.

Há quatro anos e meio ela não vê as duas filhas. “Aqui não é lugar para elas, não foi elas que erraram. Fui eu. A cadeia não e para a criança. Então eu acho melhor assim. Eu já recebi visita delas e eu fiquei muito péssima. E elas também. Elas iam embora chorando então eu decidi, até minha mãe, eu decidi não mais [vê-las na cadeia].”

Abandono

Deixar de receber visitas foi uma escolha de Cristiane. Mas para a maioria das detentas, não há outra opção. Das 645 presas que estão na Penitenciária Feminina da Capital, na Zona Norte de São Paulo, nem 70 recebem visita. O abandono das familias é quase uma regra.

“A sociedade aceita com mais naturalidade um homem preso na família do que uma mulher presa. A mulher quando vai presa é considerada, tem dois aspectos. Primeiro que a mulher não é para ir presa; mulher é tratada na família para dar exemplo, para ser boazinha, obediente. Então, já uma quebra de paradigma importante. Segundo porque a prisão da mulher tem sempre uma conotação sexual também porque se ela rouba, é porque ela é devassa também. Se ela rouba ela não deve prestar”, aponta Dráuzio Varella, analisando os preconceitos sociais.

Com o abandono de maridos, pais, filhos, muitas vezes é a companheria de cadeia que preenche o vazio da solidão. “Eu acho que é a carência, às vezes se sente sozinha, sei lá. Aí bate aquele negócio de querer ficar abraçadinha, de beijar na boca. Aí as meninas procuram, como eu procurei”, analisa uma das presas.

“É a carência, essa vontade de ter alguém perto, de você ter um relacionamento, aí às vezes as meninas procura, como eu procurei. Para ter uma companheira, para não se sentir sozinha", defende outra.

A condenação para essas presas é dupla: pela Justiça e pela moral.

“A gente precisa aperfeiçoar ainda a lei para criar outras alternativas: prestação de serviços à comunidade, usar tornozeleira eletrônica. É preciso evoluir em termos de punição. A gente tinha que avançar em prestação de serviço à comunidade, que é uma punição que você não perde o contato social, não perde o contato familiar e ainda pode passar por um processo de uma certa medida educativo, no cumprimento daquela punição”, diz a defensora pública Juliana Garcia.