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Entenda por que os muçulmanos fogem da violência em Mianmar

País de maioria budista nega cidadania a rohingyas e povo sofre discriminação.

Em 20/09/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O atual êxodo de muçulmanos rohingya que fogem da violência no noroeste de Mianmar tem potencial para virar um desastre humanitário: mais de 300 mil refugiados já atravessaram a fronteira para Bangladesh desde 25 de agosto, quando militantes rebeldes rohingyas atacaram forças de segurança birmanesas, provocando uma brutal contraofensiva dos militares contra aldeias dessa minoria islâmica no país asiático.

Esses muçulmanos sunitas falam um dialeto de origem bengali utilizado no sudeste de Bangladesh, de onde são originários. Muitos vivem no estado de Rakhine, no noroeste de Mianmar, mas são apátridas, porque o país lhes nega a cidadania.

Existência apátrida

Os rohingyas viveram por décadas no estado de Rakhine, sob políticas de discriminação racial parecidas com o Apartheid – regime de segregação que vigorou na África do Sul por mais de 40 anos.

Segundo informações da agência AFP, a lei birmanesa sobre nacionalidade, de 1982, especifica que apenas grupos étnicos que podem demonstrar sua presença no território antes de 1823 podem obter a nacionalidade birmanesa.

No entanto, representantes dos rohingyas garantem que sua comunidade tinha representantes neste país há muito mais tempo.

Desde 2011, após a dissolução da junta militar que imperou por quase meio século no Mianmar, as tensões entre as comunidades aumentaram. Um poderoso movimento de monges nacionalistas não se absteve de provocar o ódio, considerando que os muçulmanos representam uma ameaça para Mianmar, um país com mais de 90% de sua população budista.

Nos últimos anos, milhares deles fugiram de Mianmar para a Malásia ou para a Indonésia. Outros decidiram seguir para Bangladesh, país para onde dezenas de milhares já fugiram desde o início da violência entre o Exército birmanês e os rebeldes no final de agosto.

Considerados estrangeiros em Mianmar, os rohingyas são vítimas de múltiplas discriminações: trabalho forçado, extorsão, restrições à liberdade de circulação, regras de casamento injustas e confisco de terras.

Gerações

Em Mianmar, os rohingyas são frequentemente chamados de "bengalis", um termo depreciativo para identificar o fato de que são imigrantes ilegais de Bangladesh, embora famílias rohingya tenham vivido na região por gerações.

Os rohingyas são a maioria étnica em Maungdaw, distrito do estado de Rakhine, região de onde provém a maioria dos últimos refugiados que deixaram Mianmar.

Violência recente

Nas últimas semanas, os ataques realizados pelo Exército de Salvação Arakan Rohingya (ARSA) foram aumentando de intensidade. Em outubro passado, quando o grupo liderado por Ata Ullah apareceu pela primeira vez, atacou três postos da polícia de fronteira com cerca de 400 combatentes.

A resposta militar começou imediatamente, com uma brutalidade que levou mais jovens rohingya a se juntarem à milícia rebelde, que hoje contaria com cerca de 6,5 mil homens.

Em um ataque noturno, os militantes rohingya atacaram 30 postos policiais e uma base militar de uma só vez. Cerca de 400 rebeldes e 13 membros das forças de segurança morreram, de acordo com o governo de Mianmar.

Os ataques ocorrem principalmente em Maungdaw, em Buthidaung e na região de Rathedaung.

Os ataques provocaram uma ofensiva do exército que matou pelo menos 400 pessoas até agora. Foi denunciado o ataque contra dezenas de aldeias, que teriam sido queimadas, e numerosos civis teriam sido estuprados. O governo local negou as acusações.

A última leva de refugiados para Bangladesh

Por causa da violência, os refugiados voltam a atravessar a fronteira do rio Naf, perto de aldeias rohingya. Os campos de refugiados já existentes em Bangladesh estão próximos da capacidade total, e os números continuam aumentando. Novos assentamentos espontâneos começam a se formar ao longo da fronteira.

Dezenas de milhares de rohingyas também estão fugindo de Buthidaung, ao norte da cordilheira de Mayu, atravessando o terreno montanhoso e coberto por floresta selvagem a pé, por dias inteiros.

Cruzando a fronteira

Os que podem pagar as taxas cobradas por traficantes de seres humanos tentam atravessar o rio e chegar a Bangladesh de barco. Aqueles que não podem pagar tentam flutuar pelo rio Naf segurando recipientes de plástico ou barris vazios.

Os guardas de fronteira de Bangladesh muitas vezes esperam do outro lado, patrulhando o rio para tentar coibir os cruzamentos ilegais. Mas a maioria dos rohingya consegue passar ao outro lado.

O aumento de refugiados em Bangladesh, muitos doentes ou feridos, levou a um aumento dos recursos das agências humanitárias e das ONGs, que já ajudaram mais de 400 mil pessoas em fuga da violência em Mianmar. Muitos dos rohingya não têm abrigo, e os agentes humanitários estão tentando fornecer água, alimentos e assistência sanitária.

O plano da ilha

As chegadas em massa dos rohingya levou o governo de Bangladesh a retomar um plano muito criticado de realocação de dezenas de milhares de pessoas em uma ilha desabitada e instável na parte mais baixa do delta de Bangladesh, conhecida como Thengar Char.

De acordo com o Ministério da Terra de Bangladesh, a área é altamente vulnerável a ciclones, especialmente a faixa costeira e as ilhas.

Como informa a agência Reuters, algumas ilhas próximas seriam submersas se a maré subisse mais de 6 metros. Isso significa que um ciclone forte durante um período de maré alta provavelmente deixaria toda a ilha submersa.

Mesmo sem um ciclone na área, a costa é muitas vezes inundada por chuvas extremamente fortes durante a estação das monções da Ásia do sul, que geralmente vai de junho até outubro, uma vez que uma inversão na direção do vento traz mais ar úmido para a terra firme.

Terra de ninguém

A ilha desabitada está a duas horas de barco do centro urbano mais próximo. Não há nenhuma construção, os telefones celulares não têm sinal e não existe nenhum tipo de infraestrutura.

Quando o mar está tranquilo, piratas navegam pelas águas vizinhas em busca de pescadores para sequestrar, e depois pedir resgate.

As imagens de satélite mostram que a ilha é plana e sem nenhum tipo de elevação. Ela surgiu do mar há cerca de 11 anos e faz parte das muitas ilhas instáveis, como são chamadas localmente, formadas por sedimentos na foz do Rio Meghna.

A rápida mudança do formato da ilha é um risco adicional para qualquer assentamento por lá. Imagens de satélites mostram erosão evidente na costa oeste e sul.

Ainda não está claro se o plano de assentar refugiados na ilha será executado. Um ministro de Bangladesh declarou em fevereiro que o governo estava determinado a avançar e que as autoridades forneceriam abrigos, outras instalações e gado para os rohingya se estabelecerem lá.

Os refugiados rohingya, entretanto, já sinalizaram que não querem ficar nos campos de fronteira onde estão atualmente, mas também não desejam se mudar para Thengar Char.

(FOTO: AFP/Abid Chowdury)