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Exposição de capixaba mostra olhar brasileiro sobre catedrais góticas.

Serão ao todo 44 maquetes de catedrais góticas de 13 países europeus.

Em 30/11/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O coro da Cathédrale Saint-Nicolas de Fribourg (Catedral de São Nicolau), na cidade de Friburgo, Suíça, recebe, entre os dias 4 e 12 de dezembro, a exposição “Opus Francigenum: um olhar brasileiro sobre a arquitetura religiosa gótica”, do capixaba nascido em Linhares, Luciano Xavier dos Santos.

Serão ao todo 44 maquetes, em escala 1/500, de catedrais góticas de 13 países da Europa. Dentre as quais as mais famosas do mundo, como as de Strasbourgs (Notre-Dame), na França, de Milão, na Itália e de Bordeaux, na Suíça.

Juntas, elas contam os quase mil anos de história da Opus Francigenum, ou arte francesa, oferecendo uma análise das origens e da evolução do estilo gótico em seus países de origem.

Além da riqueza histórica, a exposição em maquetes dá ainda uma visão tridimensional das catedrais, o que permite ao visitante compreender a forma e o espaço físico dos monumentos por completo, como explica Luciano. “Em uma visita local, somos geralmente limitados a observar somente as fachadas e o interior dos edifícios”.

Já o “olhar brasileiro” que propõe o artista é o olhar do estrangeiro, que não faz parte da que cultura local, ou seja, que não está acostumado com a paisagem. Segundo Luciano esse olhar seria importante para despertar novamente o interesse da população pela história dos monumentos e pela arte. “Percebi esse ‘desinteresse’ conversando com alguns conhecidos, que na maioria das vezes não sabiam nada sobre as catedrais de onde moravam”.

O jovem mora em Friburgo há dois anos e ganha a vida como maquetista artesanal em um atelier montado em casa. “O ‘feito à mão’ aqui é muito valorizado. Mas o mercado também é concorrido e conto com a exposição para alcançar mais visibilidade”, esclarece. Mas Luciano diz não ver a maquete como uma simples encomenda de um cliente, mas como expressão artística. “A maquete se transformou numa obra de arte para mim”, comenta.

Como sua especialidade é a produção artesanal, todas as maquetes da exposição também serão artesanais. Cada uma demorou entre três a quatro dias para ficar pronta, com exceção da catedral do Monte Saint-Michel, a maior delas, com 90x80cm de base e 35cm de altura, dando mais trabalho para ser feita.

Os materiais utilizados na confecção das maquetes foram papel, cola universal, madeira, tinta acrílica, poliestireno e musgo verde, tudo comprado com recursos próprios. A cor das maquetes, o cinza, foi escolhida pela neutralidade e por permitir observar melhor os volumes, que na arquitetura gótica são muitos.

A última das 44 maquetes da exposição fica pronta até este fim de semana, aumentando o sentimento de realização de Luciano. “Poder fazer uma exposição de arte aqui na Suíça, e num lugar tão simbólico para os friburgueses como a catedral de São Nicolau, quando se é estrangeiro, já é uma grande conquista”, afirma.

Com entrada gratuita, a exposição tem grande expectativa de público, uma vez que ocorrerá durante a festa de São Nicolau, padroeiro da cidade onde Luciano mora há dois anos e conhecido como o precursor do Papai Noel.

Do sonho à realidade
Desde que foi morar na França, em 2010, Luciano já desejava demonstrar sua admiração pela arte gótica, também chamada de arte francesa, que descobriu durante as aulas de História da Arte, na Ufes. Mas foi na Suíça, onde mora há dois anos, que o sonho ganhou forma.

“Comecei a fabricar a maquete da catedral de Notre-Dame, de Paris, e daí surgiu a ideia de fazer uma exposição. Tudo estava ainda em fase embrionária, não tinha nenhuma noção do número de maquetes ou do lugar onde eu iria expor”, contou.

Mesmo sem local para expor, continuou fabricando. Foi então que, durante uma conferência urbanística em Friburgo, Luciano conheceu o Deão (pessoa responsável pela administração da igreja) da Catedral de São Nicolau, a quem apresentou o projeto.

“Ele veio na minha casa, onde instalei também meu atelier, impressionado com as maquetes, ele me convidou para expor na catedral da cidade”, contou entusiasmado.

A paixão pelas maquetes
O interesse por maquetes começou ainda na adolescência, aproximadamente aos 14 anos de idade. “Eu usava caixas de papelão e embalagens de plástico para reproduzir fotos de prédios e casas que via em anúncios de jornal”, conta. Ao mesmo tempo, traçava seus primeiros esboços de desenho artístico, copiando desenhos animados que assistia na televisão.

Durante o Ensino Médio definiu um grande objetivo para si: descobrir o mundo.  Continuou o hobby por maquetes até que, em 2003, aos 19 anos, passou no curso técnico em Construção Civil no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). A dedicação culminou na sua primeira exposição independente, a “Arranha-céus”, dois anos depois, na biblioteca da instituição.

Nela ele reproduziu oito famosos arranha-céus do mundo, como o Empire State Building, de Nova Iorque, EUA, e a Torre Eiffel, em Paris, França.

“A exposição ‘Arranha-céus’ foi o verdadeiro ponto de partida da minha carreira como artista”, conclui Luciano. E de fato foi. Por meio dela, ele recebeu o convite do então diretor do instituto, Jadir José Pela, para fazer uma maquete do instituto, onde ainda se encontra, na portaria.

Em 2006, Luciano ingressou no curso de Artes Visuais, da Ufes. Estudou francês e trabalhou um tempo como desenhista/cardista no estado. Decidiu então que era hora de correr atrás daquele velho objetivo. O primeiro passo foi mudar-se para a França em 2010.

“Lá eu morava com amigos e trabalhava como desenhista/cadista. Vim morar na Suíça para viver uma bela história de amor, gostei do país, e já faz 2 anos que eu me estabeleci aqui na cidade de Friburgo”, relata apaixonado, tanto pelo hobby que virou profissão quanto pelo amor que encontrou.

Entrevista
O G1 com Luciano Xavier dos Santos sobre detalhes da exposição “Opus Francigenum: um olhar brasileiro sobre a arquitetura religiosa gótica”, carreira e o mercado de maquetes artesanais.

Conte um pouquinho sobre o processo de produção?
Luciano: Minha análise está baseada em três óticas: espiritual, artística e técnica. Cheguei à conclusão de que somente esta tríplice visão poderia fornecer a verdadeira dimensão destes incríveis monumentos religiosos. Possuo uma biblioteca aqui em casa, com a vasta literatura dos autores mais renomados da história da arte e especialistas em Idade Média: Jacques Le Goff, Umberto Eco, Michel Pastoureau, Arnaud Timbert, Androw Tallon e etc. A partir das informações arquitetônicas coletadas nesses livros e das fotos da minha fototeca (visitei pelo menos 30 dos edifícios representados na exposição), comecei o processo de interpretação das plantas de arquitetura e reuni o conteúdo histórico.

Como é para você realizar essa exposição e quais as suas expectativas?
Fazer minha primeira exposição internacional representa sobretudo uma grande realização como artista, e pessoalmente, neste ano de 2015 completam-se 10 anos da minha primeira exposição de maquetes na cidade de Vitoria (a “Arranha-céus”) que marcou na época minha volta a vida ativa depois da uma interrupção de um ano para me tratar de um câncer (linfoma de Hodgkin).

Qual a importância dela para o mundo artístico-cultural e também para história desses lugares que serão retratados?
O escritor e jornalista Claude Weill dizia que “Por passar por estas catedrais todos os dias, elas se tornam invisíveis aos nossos olhos”. Pois bem, eu quero mostrar ao espectador que as catedrais são peças-chave na compreensão da história européia. Nelas foram celebrados casamentos reais que tiveram papel fundamental na configuração geográfica do continente; consagrações de papas, reis e rainhas; ou ainda, algumas delas foram construídas para servirem somente de necrópoles reais. Portanto não são apenas antigos e belos monumentos que compõem as nossas paisagens urbanas, a catedral é viva e carrega consigo todo a legado artístico-cultural que foi cunhado desde o Século XII até a época contemporânea!

Você acredita que os europeus perderam essa sensibilidade do olhar sobre as catedrais? Você percebeu isso de que forma?
O que se perdeu no meu ponto de vista, foi a curiosidade em saber mais sobre a história desses monumentos. Acredito que esse "desinteresse" seja generalizado. Porque se questionar também a um morador de Vitória sobre a história da Catedral Metropolitana ou sobre o Palácio Anchieta, não obteríamos grandes respostas.

Você visitou 30 das 44 edificações. Isso faz muita diferença na hora de produzir as maquetes?
Com certeza! Porque os dados técnicos obtidos através dos livros e outros meios, são todos verificados in loco. Isso enriqueceu as minhas obras de detalhes, as representações são, portanto, muito mais fiéis à realidade.

Você contou que parou tudo para se tratar do câncer enquanto estudava no Ifes. Como foi?
Sim, tive que dar um tempo em tudo, minha vida literalmente havia parado. Na época eu voltei para casa da minha mãe em Linhares. Perto da família e amigos me sentia mais confiante para seguir o tratamento.

Além do Ifes, você teve apoio no Espírito Santo para a sua carreira?
Não, o mercado de maquetes no ES era muito concorrido. A maquete artesanal perdeu espaço para grandes máquinas a laser e impressoras 3D. Eu ainda sou fiel ao velho estilo da maquete artesanal, de transformar materiais brutos em obras de arte.

Você um dia imaginou chegar até onde está?
(Risos) De maneira alguma! O fato de falar no quotidiano outro idioma que não seja sua língua materna já te faz refletir no quanto sua vida mudou.

O que pretende ainda pela frente? Quais os seus planos, objetivos?
Fazer mais exposições de arte, meu canal de comunicação com mundo e uma forma dividir minhas paixões. Queria muito poder a exposição para o Brasil, meu país de origem, quem sabe adicionar alguns monumentos neogóticos brasileiros a exposição?! O país possui uma bela lista!

Você teve/tem apoio da sua família para seguir o seu sonho?
Minha família (meus pais e meu irmão) me incentivam muito no meu percurso. Não estaria aqui sem o apoio deles todos. Eles são fundamentais e estamos sempre unidos.

Fonte: G1-ES