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FitDance cresce e incomoda setor de educação física

Números do sucesso chamam a atenção até de produtoras, gravadoras e músicos.

Em 06/06/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Fabio Duarte, que atende pela alcunha de “Big Boss”, enche o peito para dizer que mudou o direcionamento da carreira de muitos artistas.

Desconhecido da maioria, embora seja ocasionalmente citado como “ex de Ivete Sangalo” - os dois tiveram um relacionamento em 2005 -, o empresário virou peça fundamental no jogo comercial da música pop.

Ao lado do irmão Bruno, é responsável pelo FitDance, plataforma de dança que passou a receber de executivos do meio quase tanta atenção quanto rádios e televisão.

Fundado em 2014 como um programa de aulas em academias voltado à “diversão” (eles evitam citar benefícios à saúde e ao condicionamento físico), o grupo cresceu na internet com vídeos coreografados, sob o olhar de reprovação de profissionais da educação física.

Hoje 15 mil academias adotam o método no Brasil e na Argentina - com planos de expansão para outros países. No YouTube, são 10 milhões de seguidores em cinco canais e uma média de 200 milhões de visualizações por mês.

Os números chamaram a atenção de produtoras, gravadoras e músicos. Eles investem pesado em parcerias para divulgar trabalhos em coreografias que bombam em aulas e baladas.

O G1 conversou com empresários que contaram destinar ao FitDance até 50% do orçamento da estratégia digital de seus artistas.

“O FitDance entrou na cartilha de lançamentos de músicas das grandes gravadoras. Todo artista, quando vai planejar um CD ou um novo show, imagina: ‘Tenho que ter boas músicas para dançar”, decreta Bruno.

O nível de intimidade chega ao ponto de a empresa influenciar a composição de hits, segundo os irmãos. Fabio explica:

“Antes, uma música era feita e o dançarino tentava encaixar uma coreografia. Hoje os artistas nos ligam para perguntar como deveriam compor.”

Metralhadora de um tiro só

A relação é especialmente próxima com músicos da Bahia, de onde vem a empresa.

Flavio Maron, diretor da produtora Penta Entretenimento, que administra as carreiras de Psirico, La Fúria e Duas Medidas, diz que a dança ajuda bandas locais a chegarem em praças antes quase impossíveis.

“Fazemos o lançamento de um clipe e, em uma semana, vemos mais de cem vídeos diferentes de pessoas do Brasil inteiro dançando”, exemplifica.

“Passou a ser ferramenta fundamental, como tocar na rádio ou fazer um clipe. Não nos vemos trabalhando uma música sem o FitDance.”

Em 2016, a empresa foi uma das principais responsáveis pelo fenômeno da “Metralhadora”, música da banda Vingadora, que não conseguiu emplacar outros hits nacionalmente.

Na época, Bruno conta, o grupo queria trabalhar uma outra canção para o carnaval de Salvador, mas mudou de ideia por sugestão do FitDance. “Metralhadora” acabou vencendo o concurso Bahia Folia, que elege a melhor música da festa.

Os fundadores consideram a música, com coreografia viral, um “divisor de águas” para o trabalho da empresa. O empresário avalia:

“A experiência da dança, às vezes, é muito mais forte e duradoura do que ouvir uma música na rádio ou na TV. Quando uma pessoa aprende uma coreografia, ela vira embaixadora daquela música.”

O maior destaque no currículo do FitDance é o vídeo da letra de “Swish swish”, de Katy Perry, que bombou no ano passado e reanimou a carreira de Gretchen. O “Big Boss” aparece lá, entre os dançarinos que acompanham a estrela.

Além de criar os passos de dança da música, a empresa produziu o clipe por meio da agência Califórnia, da qual os irmãos também são sócios-fundadores.

R$ 15 mil por coreografia

A “casadinha” é comum nas parcerias com artistas. Eles pagam por pacotes que podem incluir coreografia, vídeo roteirizado e estratégias promocionais.

O G1 apurou que os preços geralmente começam em R$ 15 mil - apenas para coreografia -, mas mudam de acordo com o tipo de parceria e o apetite do artista.

Fernanda Pas, gerente de marketing da Som Livre, diz que alguns acordos feitos pela gravadora preveem a participação de artistas nos vídeos de dança da empresa. As parcerias comerciais também envolvem questões de direito autoral.

“Quando um vídeo deles gera uma monetização no YouTube, o artista e a gravadora [da música coreografada] também precisam receber”, explica.

‘Nova Zumba’

O FitDance não abre seu faturamento, mas divulga um crescimento de três vezes ao ano, em média.

Além dos acordos artísticos, os lucros vêm dos cerca de 400 shows por ano de seus dançarinos - o cachê é de R$ 10 mil -, uma linha de produtos e tudo que envolve a metodologia de ensino nas academias, principal braço da empresa.

Nas aulas, professores reproduzem para os alunos os passos divulgados pelo YouTube. Fabio diz que o método não é um programa fitness, o foco é a alegria. Jorge Steinhilber, presidente do Conselho Federal de Educação Física, critica:

“Eles copiaram o modelo da Zumba [programa de dança latina], que também usa o conceito da diversão para escamotear sua real atividade, que é o exercício físico.”

Sem a marca FitDance, grupos menores seguem a mesma tática em academias, com coreografias diferentes. O Conselho defende que esse tipo de aula seja ministrada por profissionais da educação física, para evitar o risco de lesões.

“No Brasil, não é preciso ser formado em educação física para dar aulas de dança. que é o que fazemos. O que exigimos é cuidado profissional e técnica", defende Fabio.

Ele diz que os resultados da empresa conseguiram dobrar o valor da hora/aula de dança no país nos últimos anos.

Instrutores 'blogueirinhos'

Para tentar uma vaga como instrutor do grupo, é preciso ser maior de idade e submeter-se a um curso de 12 horas, por R$ 550. Depois, os candidatos têm que ser aprovados pela empresa - os fundadores contam que a média de reprovação é de 45%.

Ao passar pelo crivo, o instrutor pode dar aulas usando a marca FitDance, participar de treinamentos e outras ações, mas é necessário pagar uma taxa mensal de R$ 70.

Há atualmente 5 mil professores credenciados - só com as mensalidades, a empresa fatura cerca de R$ 350 mil por mês.

No meio deles, existe a seleta Equipe Show, turma que participa dos vídeos e eventos da empresa. "É um grupo escolhido a dedo", diz Fabio.

Para entrar, é fundamental ser versátil: "Precisa dançar funk, pagode, ritmos urbanos. Também tem que ter carisma e saber dançar para a câmera".

Os integrantes têm status de "blogueirinhos" famosos na internet. Juliana Paiva, que participa do vídeo de "Swish Swish" e de outros clipes produzidos pelo FitDance, narra a rotina de malhação, ensaios e gravações a 680 mil seguidores no Instagram.

Mas nem todos os privilégios de influenciadores são permitidos aos dançarinos. Com algumas exceções, eles não podem fazer posts comerciais - o famoso "#publi" - de marcas que sejam conconrrentes de parceiros e patrocinadores da empresa.

Foi por uma "incompatibilidade de parceiros" que Lorena Improta, ex-dançarina do "Domingão do Faustão" (TV Globo), deixou o FitDance em 2016. Na época, ela era o rosto mais conhecido da Equipe Show, e disse que a decisão não foi sua: "Gostaria muito de continuar."

Quase dois anos depois, a desertora virou concorrente: seu canal, também com vídeos coreografados no YouTube, está perto de chegar aos 2 milhões de inscritos.

Como ela, outros grupos se beneficiam da explosão do interesse em dança. Na internet, o principal adversário da FitDance é a Cia. Daniel Saboya. Com 11 milhões de seguidores, a empresa cresce no nicho de parcerias artísticas.

(Foto: Celso Tavares/G1)