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"Foi um choque", diz brasileiro que dirigiu hospital afegão bombardeado.

Médico trabalhou em 2013 em Kunduz, onde 22 morreram em ataque.

Em 09/10/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O médico brasileiro Alexandre Fonseca Santos acordou no último sábado (3) com um telefonema de uma amiga da África do Sul. Do outro lado da linha, uma notícia chocante: o hospital onde os dois haviam trabalhado, em Kunduz, no Afeganistão, acabara de ser bombardeado.

Alexandre é integrante da organização Médicos Sem Fronteiras e foi diretor médico do hospital afegão em 2013. O trabalho durou cerca de nove meses.

Ao menos doze funcionários e dez pacientes foram mortos e vários outros ainda estão desaparecidos após o bombardeio, que foi realizado por um avião americano. O brasileiro diz que conhecia todos os profissionais que morreram.

“Eles eram meus amigos: o farmacêutico, o guarda, os médicos que morreram. Eram pessoas muito alegres, sempre fazíamos brincadeiras entre nós, eu conhecia a família de alguns", diz. Ele relata que mantinha contato com os amigos que fez lá pela internet e por telefone. "Um deles tinha acabado de se casar. Foi um choque. Senti raiva, tristeza. Foi um luto absoluto. Ficou até dificil dormir.”, conta ele.

Relatos do bombardeio

Alexandre tem se comunicado com os colegas que sobreviveram ao ataque. Um deles contou que, ao ouvir as bombas, foi para a entrada do hospital e encontrou um dos médicos mortos no saguão, além de pacientes em macas com queimaduras decorrentes das bombas.

O ataque continuava – relatos afirmam que seguiu o bombardeio continuou por 30 minutos mesmo após militare

s dos EUA e afegãos terem sido informados sobre o ataque. “Ele foi até a UTI e correu para debaixo da antiga farmácia do hospital, que fica no porão. O médico que ficou na UTI morreu queimado junto com os pacientes.

Alexandre diz que ficou em choque. “Me senti impotente. Senti muita tristeza pelas vidas perdidas, pela violência do ato contra pessoas que estavam trabalhando”, diz ele.

Pipas e minas terrestres

Clínico geral, médico do trabalho e especialista em medicina de desastres, Alexandre trabalha com os Médicos sem Fronteiras desde 2009. Já foi para missões na África do Sul, no Zimbábue e na Síria.

No Afeganistão, trabalhou na área de trauma pela primeira vez. Ele conta que o hospital de Kunduz era novo e bem equipado. Tinha um jardim de rosas na entrada. “Era um hospital referência em trauma na região, que atendia a população indiscriminadamente, era respeitado”, diz.

Segundo ele, os pacientes mais comuns eram vítimas de acidentes de carro e motocicleta. Também vinham crianças vítimas de atropelamento ou de queda dos telhados, onde subiam para empinar pipas, um hobby popular por lá.

Na época, não eram muitos os casos relacionados a conflitos entre o governo e o Talibã. “O que tinha às vezes eram vítimas de explosivos não detonados de guerras anteriores. Às vezes as crianças viam artefatos brilhosos e pegavam para brincar, e na verdade eram minas terrestres que acabavam explodindo”, lembra.

Para o brasileiro, a experiência no Afeganistão foi “inigualável”. “Adquiri muito conhecimento técnico e tive contato com uma cultura rica, um povo humilde e muito amistoso”, diz.

Natural de São Paulo, hoje Alexandre faz mestrado em Brasília. Ele afirma que a tragédia motiva ainda mais ele e os colegas a trabalharem em zonas de conflito.

“É claro que temos medo, nossas famílias também. Mas, apesar dos riscos, o sentimento que vem é vontade de ir lá para ajudar. Agora é que eles estão precisando mais, porque a população ficou desassistida”, completa.

'Erro'

Os Estados Unidos admitiram que foram responsáveis pelo bombardeio ao hospital de Kunduz, feito a pedido de forças afegãs. Eles disseram que o ataque foi um erro. "Nunca apontaríamos intencionalmente contra uma instalação médica protegida", afirmou, no último dia 6, o general John Campbell, principal comandante americano no Afeganistão.

O presidente Barack Obama também se desculpou na quarta-feira (7) pelo ataque.

No dia do bombardeio, os MSF afirmaram em nota que todas as partes envolvidas no conflito no país foram informadas sobre a localização precisa de seu hospital e de outras instalações do grupo. Segundo a ONG, o bombardeio representou a maior perda de vidas em um ataque aéreo para a organização.

Todos os funcionários foram retirados do hospital após o ataque. “Nossos pacientes queimaram em seus leitos. (...) Nossos colegas tiveram que realizar cirurgias uns nos outros. Um de nossos médicos morreu numa mesa de cirurgia improvisada – uma mesa de escritório – enquanto seus colegas tentavam salvar a sua vida”, relatou, em um discurso enviado à imprensa, a presidente internacional dos MSF, Joanna Liu.

A organização defende uma investigação “independente e imparcial” do episódio, que considera ter sido um crime de guerra. “Nós não podemos depender apenas de investigações militares internas realizadas pelas forças dos Estados Unidos, da Otan e do Afeganistão”, afirmou Joanna Liu em discurso.

Fonte: G1