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Fórum Econômico Mundial mostra como ser feliz no trabalho

A culpa não é dos chefes insuportáveis, salários baixos ou ameaças de demissão.

Em 19/09/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

A culpa não é dos chefes insuportáveis, salários baixos ou ameaças de demissão. Se você está realmente insatisfeito com a própria carreira, o verdadeiro motivo tem natureza ética.

A avaliação é de Paolo Gallo, principal executivo de recursos humanos do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, e professor da Universidade Bocconi, na Itália. Suas ideias estão no livro “A bússola do sucesso – Um manual para vencer no mundo corporativo sem perder seus valores” (Benvirá, 2017).

Em entrevista, o autor italiano defende que é impossível ser feliz no trabalho sem estar alinhado com os princípios e valores morais do seu empregador. Quando discorda da missão da empresa, ninguém permanece satisfeito por muito tempo — nem com um salário altíssimo.

Com passagens pelo Citibank e pelo Banco Mundial no currículo, Gallo afirma que sua própria história pessoal reforça a tese.

“Há muitos anos, pedi demissão de um banco que me pagava muito dinheiro para ir para outro que só me oferecia um terço do salário anterior”, conta. “Foi uma ótima decisão, porque finalmente encontrei meu propósito e construí a carreira que queria”.  

No comando do RH do Fórum Econômico Mundial desde 2014, ele diz que “só contrata missionários, e não mercenários” e que concordar com os valores morais da empresa é uma condição obrigatória para aceitar um emprego — ainda que esse critério possa soar abstrato, ou até romântico.

Mas por que um desempregado deveria se preocupar com missão e propósito na hora de avaliar uma vaga? Quais os limites entre idealismo e ingenuidade no mundo do trabalho? O que é sucesso? O que é felicidade?

Confira a seguir os melhores trechos da entrevista com o professor italiano sobre esses e outros temas:

EXAME.com – Por que os princípios e valores da empresa devem ser uma prioridade na hora de se candidatar a uma vaga?

Paolo Gallo – Pense num casamento. Quando você escolhe um parceiro com quem vai compartilhar a sua vida pessoal, é preciso ter valores e princípios em comum com ele. Por que seria diferente com a sua vida profissional? Você também precisa olhar para isso na hora de aceitar um empregador.

É preciso se perguntar: qual é o meu propósito? Em que valores eu realmente acredito? E então se indagar: qual empresa, qual tipo de trabalho permite que eu viva esses mesmos valores? Só com base nessas respostas você terá uma carreira conectada com o seu propósito de vida.  

Em meio a múltiplas crises, o Brasil atualmente tem 13,3 milhões de desempregados. Como se preocupar, neste momento, com conceitos tão abstratos quanto missão, valores e propósito?

Sei que o Brasil está numa situação difícil. Entendo perfeitamente que, diante de um número tão dramático de desempregados, alguém me diga: ‘Ok, Paolo, essa sua ideia é muito bonita, mas simplesmente ter um emprego já é um milagre para a nossa realidade atual”.

Entendo isso, mas o que chamo de “bússola moral” na carreira não é só um conceito abstrato. É algo que realmente pode melhorar a vida das pessoas. Sei que pode soar romântico. Mas me refiro a algo prático. Sem usar essa bússola para encontrar o seu empregador, você nunca será livre nem feliz.

O que significa ser feliz na carreira?

Ser feliz é conquistar um alinhamento entre o que você pensa, o que fala e o que faz. Não sou eu quem diz isso, é Mahatma Gandhi. Se você quer ser feliz na carreira, não pode prescindir disso. Se não for assim, você pode até ser promovido, conquistar status e ganhar muito dinheiro, mas no fundo acabará se arrependendo. Você precisa ter algum elemento ético ligado à sua carreira.

No Fórum Econômico Mundial, gosto de dizer que recruto missionários, não mercenários. Missionários são aqueles que acreditam no que estão fazendo, aqueles que enxergam uma missão por trás de suas atividades. Já mercenários são aqueles que só trabalham porque são pagos.

Antes de ler as descrição das atribuições de um determinado emprego, antes mesmo de olhar para a remuneração, busque saber se você concorda com a cultura daquele empregador. Essa cultura não é aquela que eles declaram em plaquinhas, mas sim a que eles vivem no cotidiano.

Na prática, você só vai descobrir qual a verdadeira cultura da empresa quando trabalhar lá, ou seja, quando já tiver aceitado o emprego…

Sim, sem dúvida. Existem algumas dicas práticas para facilitar essa percepção. Por exemplo, experimente olhar para quem está no topo da hierarquia da empresa. Como aquelas figuras chegaram lá? Foram promovidas porque são realmente competentes ou porque tem algum vínculo pessoal com os donos do poder? A resposta dará uma pista sobre a integridade daquela companhia.

Empregadores que respeitam valores humanos valem a pena. É verdade que é difícil encontrar companhias assim. Mas é fácil perceber que elas são as mais lucrativas. Está provado que, quando você trata as pessoas bem, elas devolvem isso na forma de comprometimento e resultados. Se um empregador trata seus funcionários como lixo, eles também vão tratá-lo da mesma forma, e todo mundo sai perdendo.

Em seu livro, o senhor diz que é preciso “parar de acreditar em Papai Noel” para ter uma carreira bem-sucedida. O que isso significa?

Significa que é preciso perder a inocência e encarar de frente o sistema de poder no mundo corporativo. É ingênuo acreditar que só as pessoas mais puras e esforçadas acabam sendo promovidas nas empresas. Há muitas outras variáveis que entram na equação.

Para explicar isso, costumo fazer uma analogia com quatro animais que encontramos dentro das empresas. Existem as pessoas ingênuas e egoístas, que chamo de galinhas; as que ingênuas e generosas, que chamo de cachorros; as perspicazes e egoístas, que chamo de cobras; e as perspicazes e generosas, que chamo de leões.

Não acreditar em Papai Noel significa ter essa percepção dos vários tipos de pessoas com quem você está lidando no trabalho. Significa saber em quem você pode confiar, e em quem não pode. É preciso ter consciência dessa complexidade humana, mas sem ser cínico.

No seu livro, o senhor diz que as pessoas não deveriam buscar uma carreira de sucesso, mas sim uma carreira de valor. Qual é a diferença?

Um profissional de valor é consistente com seus princípios. Já uma pessoa de sucesso, na visão da nossa sociedade, é aquela que tem visibilidade, dinheiro, fama. Essa visão distorcida de sucesso leva à eleição de figuras como Donald Trump nos Estados Unidos ou de Silvio Berlusconi na Itália.  

Se eu perguntar quem é o seu herói ou heroína, você não vai citar um astro do rock ou jogador de futebol, você vai falar o nome da sua mãe, do seu pai, da sua avó. Essas figuras às vezes não fazem muito sucesso, mas têm valor. Os verdadeiros heróis da nossa sociedade não são as pessoas poderosas ou “bem-sucedidas”. São as pessoas comuns.

Como uma pessoa comum pode causar impacto com seu trabalho?

De muitas formas. Há alguns anos, quando eu trabalhava no Banco Mundial, convivi com uma secretária de que nunca me esqueci. Apesar de já ter mais de 60 anos de idade, ela decidiu adotar uma garotinha do Equador, que ficava conosco no escritório. A menina era cega e exigia uma série de cuidados.

Conviver com esse exemplo de coragem e generosidade foi muito importante para a equipe. Com essa secretária, aprendemos a ser mais gentis uns com os outros, mais tolerantes, porque víamos a bondade que ela tinha com a menina. Essa pessoa teve muito mais impacto sobre nós do que qualquer treinamento sobre motivação ou liderança. Ela tinha o menor salário da equipe, pouco poder, mas muito valor.

(Foto: Divulgação/Internet)