NEGÓCIOS

Hortas urbanas geram emprego e renda com orgânicos

Hans Dieter Temp se inspirou na agricultura familiar na Europa para criar ONG em SP.

Em 28/01/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

São Paulo às vezes leva seu caos para o divã em busca da solução para os problemas atuais em suas próprias origens. É assim que alguns grupos da sociedade civil têm atuado: eles encontram espaço na metrópole mais urbanizada do Brasil para montar hortas orgânicas que ocupem pelo menos parte dos 2 milhões de desempregados da Região Metropolitana.

A reportagem conversou com os responsáveis por três projetos de geração de renda por meio da agricultura urbana na cidade – a ONG Cidades Sem Fome, que atua na Zona Leste, o projeto Hora da Horta, que acontece na Zona Norte e o Coletivo Dedoverde, que desenvolve os trabalhos na Zona Sul.

Alimentos limpos em São Mateus

Há 20 anos, o empresário gaúcho Hans Dieter Temp foi estudar na Europa e se inspirou na relação daquelas comunidades com a terra para fundar uma ONG na Zona Leste de São Paulo. “Na Alemanha, na Holanda e na Dinamarca muitas pessoas cultivam seus tomates e suas maçãs pela preocupação em consumir alimentos limpos. Nesses países, que sequer têm a nossa fertilidade e o nosso clima, a agricultura familiar é gerida com metas de colher e até de faturar, como uma grande empresa”, disse ele, que estudou administração, agropecuária e políticas ambientais.

Hoje, a ONG Cidades Sem Fome faz a gestão de 27 hortas urbanas, que empregam 153 famílias no cultivo de alimentos sem agrotóxicos, que são vendidos e consumidos na própria região, diretamente do produtor para o consumidor, sem a participação de um intermediário, que desvalorizaria o trabalho do agricultor e poluiria o meio-ambiente no transporte.

Todas as hortas do Cidades Sem Fome são feitas em terrenos públicos ou particulares, muitos deles pertencentes às concessionárias de energia, mediante a contratos, de modo que o proprietário também se beneficia ao dar destinação a um espaço anteriormente abandonado. "Não é mais possível concorrer com a especulação imobiliária na Avenida Paulista ou na Vila Madalena, mas a periferia tem milhares de espaços disponíveis", explica Hans Temp.

A ONG conta com patrocinadores, que investem na criação de cada horta até que ela fique de pé. Os agricultores consomem 3% da produção e vendem os 97% dos alimentos nas feiras e restaurantes da região.

Geração de emprego na Zona Norte

No bairro da Casa Verde, na Zona Norte, a dinâmica da geração de renda por meio da agricultura urbana e familiar acontece por iniciativas, como a Hora da Horta. O cultivo de hortaliças, ervas medicinais, flores e árvores frutíferas é realizado em um terreno de 1.200 m² da AES Eletropaulo e a venda também é feita diretamente ao consumidor da região, com o mesmo preço encontrado nas feiras convencionais, mas sem embalagens excessivas que se transformam em resíduos.

O projeto nasceu há três anos graças aos esforços da pesquisadora de administração pública Lya Porto, que fez seu doutorado em agricultura urbana, e de Rita Freitas Cavaliere, que trabalhava com paisagismo, mas ficou desempregada.

De acordo com a pesquisadora, o trabalho proporciona diversos benefícios, que vão desde a interação entre os cidadãos até a educação alimentar e ambiental, passando pela reivindicação de políticas públicas pela comunidade.

"Na falta de políticas, os próprios agricultores têm se reunido e dialogado sobre a formação de uma união de hortas urbanas na região. A Prefeitura de São Paulo poderia ajudar com insumos, com a facilitação na emissão de documentos que certifiquem os produtos como orgânicos, o acesso às feiras e à assistência técnica", sugere.

Sustentabilidade e apoio às ONGs na Zona Sul

A iniciativa se repete e se expande na Zona Sul da cidade, por meio do empenho do gestor ambiental Renato Rocha de Lima, fundador do Coletivo Dedoverde, cuja proposta é fortalecer o trabalho de ONGs do Jardim São Luís e do Jardim Ângela por meio da implementação de hortas nesses espaços: ao mesmo tempo em que alimenta as pessoas em vulnerabilidade social atendidas pelas entidades, gera renda no entorno.

"Há seis anos, com o apoio do Instituto Kairós e do Movimento Urbano de Agroecologia (Muda), fizemos um mapeamento da região e estudamos a possibilidade de transformar as hortas orgânicas em um modelo de economia local, que hoje atende diversas famílias e pessoas como a dona Francisca, que trabalha como diarista e complementa a renda com o trabalho e colheita que exerce em um desses espaços", explica Renato.

Seguindo a mesma dinâmica dos projetos das Zonas Leste e Norte, os alimentos sem veneno cultivados na Zona Sul são vendidos a R$ 2 em feiras na própria periferia. Os trabalhos do Coletivo são sustentáveis e utilizam soluções de baixo custo, como uso de água da chuva para irrigar hortas por meio de cisternas, instalação de placas solares para geração de energia e gestão de resíduos para adubo.

As iniciativas cobram o apoio institucional e governamental. A carência de políticas neste sentido deu origem ao Movimento Urbano de Agroecologia (Muda), que defende a importância da venda direta do produtor para o consumidor, diagnostica e articula a agricultura urbana e realiza mutirões agroecológicos por meio de uma equipe de voluntários.

Para Samuel Gabanyi, um dos fundadores do coletivo, o apoio do poder público é fundamental e poderia acontecer de diversas formas. "Os governos poderiam disponibilizar assistência técnica, conceder uso de terrenos abandonados, isenção nos produtos e ferramentas, regularizar cooperativas, facilitar o acesso dos produtos em feiras e por em prática leis já regulamentadas, como aquela que descentraliza a distribuição dos orgânicos em escolas e outros equipamentos públicos", enumera.

(Foto: Marcelo Brandt/G1)