NEGÓCIOS

Mesmo em dificuldade, o Brasil é um bom lugar para se investir

Humberto Pedrosa, é sócio e presidente do conselho da TAP Portugal.

Em 14/07/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O empresário português Humberto Pedrosa, dono de uma fortuna avaliada em R$ 1,4 bilhão, é conhecido em sua terra natal como “o construtor de empresas”. Nas últimas cinco décadas, o discreto bilionário – personagem raro mesmo na imprensa local – ergueu um império no setor de transportes: o Grupo Barraqueiro. No ano passado, suas empresas atenderam a 300 milhões de passageiros por água, por terra e por trilhos.

Em Portugal, Pedrosa detém a concessão de linhas de trem, de operações de metrô no Porto e em Lisboa, empresas de ônibus urbanos e intermunicipais, além de serviços na área de turismo rodoviário e fluvial. Apesar da trajetória bem-sucedida na área dos negócios, Pedrosa, hoje com 70 anos, vive a fase mais desafiadora de sua carreira, segundo ele.

O empresário é sócio de David Neeleman – fundador e chairman da Azul Linhas Aéreas – na companhia aérea TAP, por meio da Atlantic Gateway, e presidente do Conselho de Administração da ex-estatal, privatizada em 2015 em meio a uma grave crise financeira. Pedrosa e Neeleman detêm o controle de 45% do capital, enquanto o governo continua com 50% e os funcionários, 5%. No Brasil,

Pedrosa é sócio também de duas empresas de transporte urbano em Fortaleza e de outra em Manaus. Em entrevista, o empresário afirma que está de olho em novas oportunidades de investimento no País. A necessidade de aprimoramento da infraestrutura de transporte no Brasil faz, segundo ele, com que o País seja um dos melhores lugares do mundo para se investir. Leia a entrevista:

 Há muitas décadas, o setor de infraestrutura no Brasil é considerado um dos mais promissores da economia, mas poucos grupos estrangeiros têm se arriscado a investir no País. Por quê?

O Brasil é, historicamente, uma grande fonte de oportunidades de negócios para empresas do mundo todo. O País possui, por outro lado, características peculiares de grandes oscilações, para cima e para baixo. Não é como nos países europeus, onde as oscilações são menos frequentes. Isso, para quem olha de fora, pode gerar incertezas. Mas não tenho dúvidas de que, mesmo em dificuldade, o Brasil é um dos melhores lugares do mundo para se investir.

O sr. tem planos de aumentar seus investimentos no mercado brasileiro?

Com certeza. Desde 2011, mantenho sociedade com empresários brasileiros em uma empresa de transportes rodoviários de passageiros em Manaus e em outras duas em Fortaleza. Sempre que observo as perspectivas de negócios no Brasil, vejo que participar da concessão de linhas de metrô seria algo interessante para nós. Não temos nada concreto ainda, mesmo porque não existe nenhum leilão definido para os próximos meses, mas estamos atentos às possibilidades. Afinal, esta seria uma forma de crescer. Portugal é um país pequeno e já alcançamos o nosso limite. Temos experiência tanto em transporte de cargas como no de passageiros e podemos levar esse conhecimento para o Brasil.

O Brasil é a única opção para crescer?

Na Europa, as taxas de crescimento são baixas porque a disputa entre as empresas já está bem consolidada. O mercado de consumo é mais maduro. Existem alternativas de crescimento em algumas economias africanas, especialmente os países de língua portuguesa. Desde 2011, mantemos em Luanda, capital de Angola, uma empresa de logística, a RodoAtlantic. Podemos investir mais lá também. No entanto, em potencial de crescimento, dadas as dimensões do País, a economia e o número de habitantes, não temos como comparar com o Brasil.

A crise deixou o Brasil mais barato para investidores de fora?

Pela questão cambial, sim. Muitas empresas ficaram baratas para quem investe em dólar ou euro. Mas, independentemente disso, nas crises surgem boas oportunidades de investimento. Acredito que essa situação difícil do Brasil é passageira, o País vai encontrar seu caminho novamente e os ativos irão se valorizar. O Brasil é um País rico e pode ir muito longe assim que reconquistar estabilidade e confiança.

As incertezas eleitorais no País têm desestimulado os investimentos?

Períodos de eleição são sempre fontes de incerteza. É normal que assim seja. Faz parte da democracia. As incertezas hoje estão mais no campo econômico, creio. Assim que os candidatos tiverem definições mais claras de seus planos para a condução econômica, as incertezas irão desaparecer. Tenho confiança de que os eleitores saberão definir o melhor caminho que o País deve tomar nos próximos anos.

O que o Brasil representa para a essa recuperação da TAP?

O Brasil representa muito. É o maior mercado da companhia no mundo, maior até que Portugal. Em faturamento, o País responde por cerca de 40% do resultado mundial. Por isso, vamos fortalecer a nossa ligação de capitais brasileiras com o hub de Lisboa, e de Lisboa para toda a Europa. Nossa operação com o Brasil é uma ligação viva e temos de fazer crescer ainda mais. Vamos aumentar a oferta de voos, a oferta de rotas e de assentos. A meta é multiplicar por sete nossos resultados nos próximos quatro ou cinco anos.

Como a TAP irá multiplicar por sete?

 Não o tamanho da empresa, mas os números de rentabilidade. Fechamos o ano passado com o primeiro lucro depois de décadas de resultados negativos. No caso do Brasil, para multiplicar os resultados da TAP, vamos avançar com mais algumas rotas no Norte e Nordeste, principalmente com voos diretos para o Porto.

Mas suas principais concorrentes também estão aumentando a aposta no Brasil…

A concorrência não nos preocupa. Acho que a concorrência é saudável, mas a tendência é aumentar cada vez mais. Claro, é desafiante. Por isso, é extremante importante que tenhamos ainda mais ambição de ampliar nossa operação. Temos de criar sinergias com as companhias aéreas brasileiras, especialmente com a Azul, para que possamos oferecer ainda mais opções para quem quiser visitar a Europa, e para o europeu que pretende ir ao Brasil.

O fato de seu sócio David Neeleman ser o fundador e chairman da Azul é um diferencial para a TAP dentro do mercado aéreo brasileiro?

 Sem nenhuma dúvida. Com David Neeleman, temos um grande ganho de sinergia. Isso nos deixa em situação privilegiada na concorrência com outras companhias aéreas, especialmente as europeias. Como a Azul faz a distribuição para todo o Brasil, e nós distribuímos para toda a Europa, os dois lados ganham.

O que a recente crise enfrentada por Portugal pode ensinar para o Brasil, que está lentamente deixando a recessão para trás?

De fato, o ambiente econômico em Portugal está muito bom. A crise já foi superada, mas muitas lições ficaram claras para todos os portugueses, principalmente a importância de se ter responsabilidade e coerência fiscal. Governo bom é governo que não maltrata dinheiro público. Depois das reformas, a economia de Portugal vai bem, está crescendo, e a estabilidade política dá solidez para a economia. Estamos em um bom caminho.

“Com David Neeleman, temos um grande ganho de sinergia. Isso nos deixa em situação privilegiada na concorrência com outras companhias aéreas” – David Neeleman, fundador da Azul Linhas Aéreas, sócio de Pedrosa na companhia portuguesa TAP (Crédito:JF Diorio/AE)

A nova companhia aérea que será criada por Neeleman nos Estados Unidos, a Moxy Airways, abre oportunidades para a TAP também no mercado americano?

Sabemos desse projeto de Neeleman há alguns meses, mas não temos detalhes sobre seus planos. Não conversamos sobre isso. O que posso afirmar é que estamos prontos para contribuir com a nova empresa dele.

Que tipo de sinergia pode ser criada com a Moxy?

Parceria com outras companhias aéreas é sempre uma porta que se abre e gera oportunidades. Neste momento, nossa prioridade é a TAP. Nosso projeto de crescimento para a empresa é muito ambicioso. Hoje, menos de três anos depois da privatização, podemos dizer que tudo está avançando muito bem, além da nossa expectativa. Em 2017, a TAP conseguiu reverter os prejuízos históricos e chegou a um lucro de € 100,4 milhões. O resultado foi obtido um ano antes do esperado.

Como a TAP chegou a esse resultado?

O que nos ajudou muito a chegar a esse desempenho foram os investimentos feitos até agora, que nos possibilitou aumentar o número de passageiros transportados. Somos a primeira companhia aérea a receber o novo Airbus A330neo, um avião fantástico em termos de eficiência operacional, manutenção e conforto. Esse avião fará a rota Lisboa-São Paulo e será uma ferramenta importante para o nosso crescimento.

A crise da chinesa HNA, sócia da Azul, pode afetar os planos de investimento da Atlantic Gateway?

Realmente não contávamos com a situação atual da HNA, mas espero que possa ser um problema passageiro. Se não for, vamos ter que encontrar outra solução, com outro parceiro.

Foto de capa: Istoé Dinheiro/Divulgação