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Mesmo sem contato com césio-137, goianos relatam preconceito

Moradores de Goiânia chegaram a perder emprego.

Em 15/09/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O acidente com o césio-137, que aconteceu em setembro de 1987, não afetou apenas as pessoas que tiveram contato com o pó radioativo. Algumas foram vítimas de preconceito pelo simples fato de morarem em Goiânia, local da tragédia. A desinformação e preconceito levaram goianos a ouvirem comentários ofensivos e serem hostilizados em outros estados. Houve até quem perdesse o emprego ou fosse expulso de táxi devido à crença de que tudo e todos na capital estavam contaminados.

Naquele ano, dois catadores de materiais recicláveis encontraram um aparelho de radioterapia abandonado em uma antiga clínica de radiologia e começaram a desmontar o equipamento em casa sem saber que dentro havia um elemento químico. Em seguida, venderam a máquina a um ferro velho, onde ele terminou de ser desmontado. O pó radioativo que saiu de dentro dela foi passado de mão em mão entre várias pessoas. Dias depois, as consequências: quatro pessoas morreram após terem contato direto com o material e 6 mil toneladas de rejeitos radioativos foram recolhidos.

Viajar para dentro ou fora de Goiânia tornou-se algo complicado. Não se tinha a noção exata dos riscos da contaminação e dos problemas que a radiação poderia causar. O corretor de seguros capixaba Laudir Pancieri morava na capital goiana e ia muito a Cuiabá tratar de negócios e, por onde passava, ouvia perguntas como: “você está contaminado?” ou “você não deveria ficar no seu estado e evitar viajar?”.

“Para acabar com essa situação, eu fui até o local onde fazia a medição para saber se eu estava radioativo e eles me deram um laudo falando que eu não estava contaminado. Eu andava com ele o tempo todo no bolso”, disse.

Na tentativa de quebrar um pouco essa visão errônea que as pessoas tinham sobre o césio, ele e a família mandaram confeccionar camisetas com o símbolo de material radioativo e com os dizeres césio, discriminação e radioatividades riscados com um X.

“Eu cheguei a Goiânia e já fui amando a cidade e essa foi uma forma de tentar ajudá-la a superar esse acidente”, completou.

A esposa dele, a aposentada Haydee de Abreu, conta que, por morar em uma área próxima aos pontos por onde a cápsula com o pó radioativo passou, se sentia “uma ilha cercada por césio”. Quando ia para a faculdade, muitos amigos tinham receio de se aproximar dela.

“Eu falava isso brincando, de estar cercada pelo césio, e as pessoas corriam de mim. Isso foi uma parte muito triste para a gente. Eu tentava levava na brincadeira, não dava muita importância e eles foram parando com essa atitude. Hoje, pensando nisso, vemos como passamos por tantas dificuldades na época”, contou.

Haydee explica que também teve que encarar a desinformação das pessoas quando viajava para Minas Gerais para visitar familiares. “Não era uma recepção muito agradável não. Os moradores lá perguntavam tanto, tanto, que a gente ficava desorientada. A gente chegava lá com o carro com a placa de Goiânia, tinha que colocar na garagem e não tirar. Quando passava alguém e via a placa, eles vinham tirar satisfação, achavam que a gente não podia estar lá. Foi muito difícil”, se recorda.

Já a educadora Laurita Rodrigues da Silva trabalhava em uma confecção na época. Mesmo não tendo nenhum contato ou ligação com o césio-137, também enfrentou um período difícil no final de 1987.

“A nossa confecção ficava na Rua 68, no Setor Central, não era perto de onde aconteceu o acidente. Não tínhamos nada a ver. Mas a gente vendia vários produtos para outros estados e o pessoal começou a devolver as encomendas por achar que estava tudo radioativo. Uma remessa que tinha ido para Rio Branco, no Acre, foi devolvida inteira. O prejuízo começou a ficar muito grande e tiveram que fechar. Perdi o emprego na época e foi muito difícil, porque era uma ajuda importante na renda”, disse.

Diante da situação de pânico, ela lembra que temeu por sua saúde. “Todo mundo ficou com medo de ser contaminado, mas não pensei em me mudar daqui. Tinha família no Tocantins e eles pediam para eu me mudar, mas não quis. O cuidado que eu tinha era em não passar próximos aos lugares contaminados”, completou.

O preconceito durou meses. O empresário José Marcus Vinicius Athayde era criança ainda quando, em janeiro de 1988, chegava para passar férias no Rio de Janeiro com os pais e, só por ser de Goiânia, foi expulso de um taxi.

“Durante o trajeto o taxista perguntou de onde a gente era. Ao falar que era de Goiânia, o taxista pediu para que a gente se retirasse do carro, porque ele tinha receio de contaminação com relação a bagagem, objetos e pessoas. Naquele momento, a situação foi muito constrangedora”, contou.

Assim como a maioria dos outros goianos, José Marcus, atualmente, não se importa mais com as situações constrangedoras vividas na época e atribui tudo isso à falta de informação precisa na época.

“Isso depois virou meio que chacota, algo engraçado, devido à ignorância do povo na época. O fato de você simplesmente ser da cidade já existia o risco de contaminação. É muito sem sentido o que ele fez, mas era o medo que parava no país”, completou.

(Foto: Reprodução)