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Milhares fogem da crise na Venezuela e tentam emprego em RR

Desemprego ainda é grande entre imigrantes, que pedem trabalho até em semáforos.

Em 29/07/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Antes incomum em Boa Vista, cidade com pouco mais de 326 mil habitantes, a cena agora é corriqueira. De segunda a domingo, dezenas de venezuelanos fugindo da fome e do desemprego no país natal lotam semáforos da capital de Roraima em busca de serviço. Com placas em um português simples, eles resumem um único pedido: procura-se trabalho.

Nos últimos sete meses, o Ministério do Trabalho no estado (MTE-RR) registrou um recorde de emissão de carteiras de trabalho a venezuelanos. De janeiro à última segunda-feira (24), foram quase 3 mil carteiras entregues a cidadãos venezuelanos. Em 2015, emitiram-se apenas 257 documentos, e 1.331 em 2016.

Os números indicam que há centenas de venezuelanos atrás de trabalho em Roraima.O índice aumenta à medida que se agrava a crise no país fronteiriço - nos últimos meses a tensão política se intensificou e protestos já deixaram mais de uma centena de pessoas mortas.

Porém, o desemprego tem crescido no estado, e muitos estrangeiros se enfileiram nos semáforos para pedir trabalho ou mesmo se oferecer para serviços informais que dispensem o registro na carteira de trabalho. No primeiro trimestre deste ano uma pesquisa do IBGE revelou que em Roraima a taxa de desemprego ficou em 10,3%, representado um índice nunca registrado no estado.

O ex-guarda nacional venezuelano Carlos Eduardo, de 29 anos, está nesse grupo. Ele mora em Roraima há um mês e diz que deixou o trabalho na cidade natal, Puerto Ordaz, porque o filho menor sofreu um acidente e perdeu o olho esquerdo.

"O seguro da guarda não cobria o atendimento para ele, e o dinheiro não dava para comprar remédios. Então vim para cá ajudar minha família e principalmente meu filho", relata o venezuelano, que já tem carteira de trabalho.

Enquanto não encontra emprego fixo, ele limpa para-brisas em semáforos na Zona Norte da capital. Entre um intervalo e outro, pendura no pescoço uma placa onde se lê: procuro emprego, diária-fixo.

"Tenho vários cursos na área de segurança, mas aqui no Brasil aceito até trabalhar como pedreiro para conseguir enviar ajuda a minha família", diz Carlos Eduardo.

Outro venezuelano que luta para conseguir trabalho é Héctor Celorio, de 28 anos. Natural de Maturín, na Venezuela, ele quer trabalhar para ajudar os pais, que ainda moram do outro lado da fronteira, no país governado por Nicolás Maduro.

"Estou em Roraima há quatro meses e não consegui nenhum emprego formal, só diárias que pagam mal. Quero um trabalho estável, uma ajuda. É o que todos queremos", diz Héctor.

Aos 42 anos, Alfredo Sanabrio passa pela mesma situação. Com a carteira de trabalho em mãos, todos os dias ele percorre as ruas de Boa Vista atrás de um emprego formal ou de algum serviço.

"Na Venezuela, era comerciante, mas aqui aceito trabalhos de faz-tudo. Aqui está um pouco difícil arrumar trabalho, o movimento está fraco. Mas mesmo assim, prefiro ficar aqui porque na Venezuela não tem emprego e os preços das coisas são muito altos", relata Alfredo.

Imigrantes na linha de frente do desemprego

No entendimento do professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e especialista em questões fronteiriças, João Carlos Jarochinski, o índice de desemprego de venezuelanos está associado ao cenário de recessão.

"É comum quando se tem um cenário de desemprego que o primeiro segmento a ser atingido seja o dos imigrantes. Isso é fato. No caso de Roraima, o que temos que analisar é que os venezuelanos têm uma chegada mais recente e foi encadeada em um processo de recessão", explica.

Emissão de carteira de trabalho

Diariamente, a movimentação na sede do Ministério do Trabalho em Roraima é grande. A chefe da emissão de carteiras de trabalho no estado, Síntique Braz, estima que pelo menos 70% dos atendimentos diários no órgão são feitos a venezuelanos que querem obter o documento.

"A demanda vem crescendo em razão dos problemas, principalmente, na Venezuela. Do ano passado para cá, mais que duplicou", disse Síntique, acrescentando que os 99% dos venezuelanos que pedem a carteira de trabalho também solicitam à Polícia Federal refúgio no Brasil.

O aumento no número de pedidos de carteira de trabalho foi tanto que Roraima teve de pedir carteiras dos estoques do Acre e Amapá.

Exploração de mão de obra

À medida que aumenta a entrada de venezuelanos no país à procura de emprego, aumentam também as denúncias de contratações irregulares.

Há três meses, por exemplo, quatro venezuelanos foram resgatados de uma empresa onde trabalhavam em condições análogas a de escravos, segundo o MTE-RR.

O chefe da Fiscalização de Trabalho, Aécio Andrada, disse que muitas empresas se aproveitam das condições de vulnerabilidade dos venezuelanos para fazer contrações irregulares.

"Existem aqueles que ainda não conseguiram tirar esse documento e procuram trabalhar de qualquer forma para sobreviver, só que em condições irregulares, porque ainda não estão com a carteira de trabalho de estrangeiro. Quando a gente fiscaliza e encontra essas irregularidades, tomamos as providências que o Ministério do Trabalho tem a obrigação de tomar”, citou.

Imigração venezuelana

O agravamento da crise na Venezuela fez aumentar o número de venezuelanos vivendo em Roraima. Dados da Polícia Federal mostram que, desde 2014, tem havido um aumento constante nos pedidos de refúgio por parte de venezuelanos que querem morar no estado.

Só nos primeiros seis meses deste ano, a Polícia Federal em Roraima já recebeu 5.787 pedidos de refúgio, cerca de 3,5 mil a mais do que em todo o ano passado. Sem um abrigo permanente onde possam ficar e dinheiro para alugar ou comprar uma moradia, algumas famílias estão morando em uma praça no Centro da capital.

*Colaborou Rede Amazônica Roraima

(Foto: Emily Costa/G1 RR)