ECONOMIA INTERNACIONAL

Preço dos alimentos está em queda no mundo, mas não chega aos consumidores.

Essa queda registrada nos últimos cinco anos, às vezes não chega ao consumidor final.

Em 22/03/2015 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

De acordo com o índice de preços da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), seguindo uma tendência que já existia, em fevereiro houve uma queda média de 1% em relação a janeiro.

O índice da FAO mede a evolução mensal global dos preços de exportação de uma cesta composta por cereais, oleoginosas, laticínios, carne e açúcar. Apenas os laticínios tiveram aumento.

Concepción Calpe, economista sênior do Departamento de Comércio da FAO, listou as razões por trás desta queda:

"Elevada produção global, preços baixos das oleaginosas, subida do dólar e demanda limitada de grandes importadores, incluindo a China. A situação atual é exatamente o oposto do que havia ocorrido em 2007 e 2008, quando houve uma disparada no preços dos alimentos ", disse à BBC.

Tempestade perfeita
Em 2007 e 2008, a China crescia a taxas de dois dígitos, os preços do petróleo estavam nas nuvens, a demanda havia estimulado altos investimentos e bancos e fundos de pensão aqueciam o mercado mundial de bens básicos. 

Foi a "tempestade perfeita" sobre os preços dos alimentos e outras matérias primas, que atingiram níveis exorbitantes pouco antes da crise financeira de 2008. O panorama agora é exatamente o oposto.

Em fevereiro, os cereais caíram 3,2% em relação a janeiro; a carne, 1,4%, e o açúcar 4,9%, enquanto as oleaginosas ficaram estáveis. Apenas os produtos lácteos aumentaram (4,6%).

"Além de fatores comuns, como o preço do petróleo e do dólar, cada produto tem sua própria dinâmica, que depende das peculiaridades de seu mercado", disse Calpe.

A queda do trigo respondeu ao aumento da produção de grandes exportadores. Na carne, houve uma clara diferença entre carne bovina, de carneiro e cordeiro, que perderam valor, ante os preços mais estáveis de aves e o aumento de suínos.

Em relação ao açúcar, a queda foi devido ao aumento da produção do Brasil, o maior exportador do mundo, e o anúncio de subsídios para as exportações da Índia.

No caso das oleaginosas, que englobam da soja ao azeite de oliva, pesaram os subsídios ao biodiesel na Indonésia e o impacto das inundações em um dos maiores produtores, a Malásia.

Sobe e desce de preços
A relação entre o preço internacional do produto e o que paga o consumidor paga é complexa. Um fenômeno comum é que os preços ao consumidor subam quando há um aumento nas exportações, mas com menos frequência caem quando elas diminuem.

Este fenômeno é muitas vezes visto no preço da gasolina, que flutua com os valores internacionais do petróleo, ou com o pão e massa, influenciados pelo preço do trigo.

"O preço pago pelo consumidor depende de muitos fatores. O transporte, as margens de lucro dos supermercados, os diferentes intermediários na cadeia. O consumidor não compra trigo. Compra pão ou massa, que tem entre seus ingredientes o trigo. A isso se somam outros fatores, como o câmbio, que tem impacto tanto para países importadores como exportadores", observa Calpe.

Por alguns dólares a mais
A desvalorização da moeda local pode produzir um forte aumento dos preços em um país que importa alimentos, já que é preciso pagar mais em dólares pelos produtos comprados. Curiosamente, o efeito pode ser semelhante em alguns países exportadores, porque a desvalorização favorece as vendas externas.

As peculiaridades dos países produtores influem no preço final do produto Foto: Thinkstock / Thais Szegö
As peculiaridades dos países produtores influem no preço final do produto
Foto: Thinkstock / Thais Szegö

Os preços ao consumidor acabam aumentando no próprio país, porém, porque os exportadores procuram igualar o preço no mercado interno, em moeda local, ao que obteriam em dólares se vendessem para o exterior.

Os preços também são afetados pela estrutura socioeconômica e política dos países dominantes em cada mercado.

Laticínios, grãos e carnes têm uma forte presença nos EUA, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Brasil e Europa. Em mercados como o cereal se somam a estes países Ucrânia e Cazaquistão. Em oleaginosas, Brasil, Malásia, Indonésia, EUA e Argentina são os atores dominantes. 

As peculiaridades de cada um desses países terão impacto sobre o valor final do produto.

Tendência histórica
Em grande parte do século 20, a evolução do preço de produtos primários - incluindo alimentos - era muito inferior ao de produtos manufaturados exportados pelos países desenvolvidos. Essa situação ficou conhecida como "teoria das trocas desiguais".

Ela dificultava as perspectivas de desenvolvimento de países que dependiam de produtos primários para alavancar suas economias.

"Esta situação mudou em 2007, 2008, com a incorporação da China e da Índia ao mercado global e gerou muito interesse em bancos e instituições financeiras, que começaram a ter seus próprios departamentos de commodities. Muitos dizem que esta presença financeira afetou os preços por meio de especulação. Não há nenhuma pesquisa conclusiva sobre isso, mas o que está claro é que teve influência na volatilidade dos preços", diz Calpe.

A mudança favorável nos termos de troca de produtos manufaturados e produtos primários permitiu um enorme crescimento econômico e social de países em desenvolvimento, como visto na América Latina.

Laticínios, grãos e carnes têm uma forte presença nos EUA, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Brasil e Europa Foto: Think / Reuters
Laticínios, grãos e carnes têm uma forte presença nos EUA, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Brasil e Europa
Foto: Think / Reuters

Entre 2002 e 2012, a região cresceu a uma média de 5% ao ano e tirou cerca de 100 milhões de pessoas da pobreza. Mas há um ponto de interrogação sobre as perspectivas econômicas da região.

O futuro
Será que estamos voltando para o modelo exclusivo de troca desigual entre produtos manufaturados e primários que existia no século 20? O mercado de alimentos, muitas vezes, tem um comportamento diferente das commodities industriais.

Enquanto este último depende mais do crescimento da economia mundial por causa de sua ligação direta com os processos de produção - petróleo, cobre ou aço são exemplos clássicos - os alimentos têm uma demanda menos variável.

A não ser que haja uma crise extrema, os países continuam a consumir alimentos. Ainda assim, muitos bancos e departamentos estão fechando seus departamentos de commodities. Na FAO, impera a cautela na hora de fazer futurologia sobre o comportamento do mercado de alimentos.

"Eles dependem de muitos fatores. Em termos de oferta e demanda, vemos uma tendência de queda, mas como se pode prever o preço do dólar ou do petróleo ou as políticas agrícolas dos países ou fatores que afetam a oferta e clima? São muitas variáveis para fazer uma previsão exata", disse Carpe à BBC.

Ainda assim, os exportadores de alimentos na região devem se preparar para tempos de vacas magras.

Fonte: BBC BRASIL