TEMAS GERAIS

Produtores falam com afeto da força do café no ES.

Presente em quase 100% das casas, do grão ao pó, ele passa por muitas mãos.

Em 24/05/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O café está em 98,5% dos lares, aponta uma pesquisa de mercado encomendada pela Associação Brasileira das Indústrias de Café. Mas, antes de chegar até a casa dos brasileiros, ele passa por muitas mãos. A maioria delas, no Espírito Santo, são mãos afagosas de pequenos cafeicultores, que possuem 73% das propriedades no estado.

Neste dia 25 de maio, Dia Nacional do Café, o G1 conta diferentes histórias de pessoas ligadas ao produto no Norte capixaba, responsável pela produção de mais de quatro milhões de sacas por ano, o que representa mais de 40% da produção do estado.

As produções, sejam pequenas ou grandes, geralmente envolvem uma tradição hereditária e, por vezes, sentimento de apego. Sentimento que conforta Fátima Pagotto, de 52 anos, com um quadro grave de varizes causado pelo trabalho no campo. Ela garante que a maioria das mulheres da região também trabalha nas lavouras da família.

“É uma coisa difícil, está atrapalhando um pouco [as varizes], mas agora com esse tratamento eu tenho fé que nos próximos meses eu possa voltar a trabalhar na lavoura. Eu me sinto lisonjeada por saber que eu adquiri isso no trabalho”, Fátima Pagotto

Vitor Capelini, de 54 anos, e sua esposa Fátima são donos do Sítio Amizade, que fica em Rio Bananal, no Norte do Espírito Santo. Nos 8,5 hectares de terra, eles plantam café — por amor —, e pimenta, como garantia.

A família tem tido dificuldade com o café por causa da seca, que atingiu a região há cerca de três anos. Em condições favoráveis, a propriedade produz de 220 a 230 sacas de café pilados, mas expectativa é de sejam produzidas pouco mais de 100 sacas neste ano.

Juntos há 32 anos, o casal explicou que, com condições climáticas favoráveis e a aplicação de novas tecnologias é possível aumentar cerca de 30% de café na propriedade.

Em época de colheita, Vitor começa a trabalhar quando o dia nasce e só para ao anoitecer. “A mão de obra tem que ser mesmo da gente, se não não compensa”. Fátima começa a colher os grãos depois de exercer as atividades domésticas. Alguns vizinhos são escalados para ajudar.

“Não tem possibilidade nenhuma de eu largar o meu café. Sempre trabalhei com lavoura e continuo na lavoura, porque é muito bom. Gosto muito porque desde criança trabalho com o café”, Vitor Capelini

Com as despesas da produção, a família não consegue poupar, principalmente por conta das condições climáticas. O jovem filho, Henrique, é técnico em agronegócios faz faculdade em Linhares e pretende seguir carreira profissional na área que estuda, Sistemas de Informação.

“Espero poder usar a tecnologia para, quem sabe, ajudar os meus pais na lavoura”, disse.

Essa é uma das 131 mil famílias capixabas que produzem café. A maioria delas é de pequenos produtores, que possuem 73% das lavouras do estado, com tamanho médio de 8 hectares, segundo o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).

A cafeicultura, ainda segundo o Incaper, é a principal atividade agrícola do Espírito Santo, em que é desenvolvida em todos os municípios do estado, com exceção da capital Vitória.

Desafio

O café dá forças para Affonso Everaldo Dalvi, de 39 anos, continuar a viver. Ele comanda sua própria lavoura, de sete hectares, mesmo sem o movimento dos membros superiores e inferiores.

“Virou um desafio muito grande porque 99,9% das pessoas falavam para eu vender, que eu não ia dar conta, que eu não teria condições de ‘tocar’, de dar continuidade ao trabalho. Eu falei que eu sempre amei a roça, sempre amei o interior, amei o café, e que ia continuar com a minha lavoura”

O acidente que o fez perder os movimentos aconteceu há quatro anos e oito meses, quando sua lavoura estava tinha oito meses.

“Foi uma queda do galpão. Fui aparar as pontas de eucalipto, e o último varão que eu fui cortar, não sei o que aconteceu, uma pequena vertigem, como o médico chama, tive um desmaio e acabei caindo”, relembrou, com os olhos marejados.

Sem problemas para captar água na propriedade, que fica em Pinheiros, e pés de café cheios, ele espera produzir 80 sacas por hectare neste ano.

A ajuda dos vizinhos, da família Orletti, também foi fundamental para que a luta continuasse. Atualmente, a máquina deles, que faz a colheita semi-mecanizada, também opera na propriedade de Affonso.

“Sempre tiveram aqui do meu lado para me ajudar e me apoiar naquilo que fosse preciso, não me deixaram vender a propriedade de forma nenhuma. Na verdade, exigiram que não vendesse. Isso aí foi um fator fundamental para que me desse força para eu estar aqui, e graças a Deus eu poder até me emocionar um pouco com a minha lavoura”, completou.

Tecnologia de ponta

Com a produção anual de cerca de 120 mil sacas de café conilon e uma média de 300 funcionário em época de colheita, a família Orletti é uma exceção no Espírito Santo. Eles escolheram investir em tecnologia para aumentar a qualidade do produto.

A propriedade tem 1.800 hectares, sendo 750 hectares irrigados. Eles também cultivam eucalipto, seringueira e mamão.

A tradição é familiar, já tem mais de 50 anos, mas o café é um negócio. Os irmãos Adauto Orletti, de 63 anos, e Jovino Carlos Orletti, de 71 anos, já estão passando o comando para a nova geração.

“O café não dá lucro, já deu. A gente vai mantendo as lavouras para não ficar sem produção. Se você parar, o prejuízo é maior. Estamos esperando ter lucro. Há uma relação afetiva, mas se precisar tirar o café a gente vai plantar outra cultura”, Adauto Orletti

Filhos de Adauto, os irmãos Jonas, de 39 anos, Thiago, de 34 anos, e Stenio, de 29 anos, administram cada um uma etapa na produção do café.

O café na propriedade passa por máquinas modernas até chegar ao produto final e quase todo o processo é mecanizado, a começar pela colheita semi-mecanizada, onde os galhos com os frutos são colocados em uma máquina que faz a separação.

Depois da colheita, ele é pesado e é iniciado o processo de preparação dos grãos. Há uma máquina de lavagem responsável por separar três diferentes tipos de grão, formando lotes segmentados, o que aumenta a qualidade do produto.

O tempo da secagem dos grãos, por exemplo, é diferente. Os marrons demoram em média 12 horas, enquanto os verdes demoram cerca de 24 horas.

Depois do processo de pesar, separar, secar e pilar, os grãos vão para um silo de armazenamento, e uma máquina também é responsável por colocar o produto nas “bags”, grandes bolsas equivalentes a 10 sacas de café.

“A gente está fazendo o mínimo de esforço humano”, disse seu Adauto. “O trabalho humano é o de monitoramento”, completou um dos filhos.

O investimento em tecnologia também pretende driblar a crise hídrica que atinge a região Norte.

A propriedade está em fase de troca do processo de irrigação para o “gotejamento enterrado”, uma tecnologia importada de Israel, que gera grande economia do recurso hídrico e distribui a água com adubo diluído. Para fazer essa mudança, a previsão de gasto é de R$ 10 a 12 mil por hectare.

Enquanto isso, uma das estratégias é produzir mamão e café na mesma área. São 30 hectares dessa plantação conjunta. Além de gerar economia de água na irrigação e adubo, o que faz com que o mamão custeie a plantação de café, a sombra do mamoeiro beneficia o pés do grão.

O nascimento

As mãos de Clésio Domingos, de 38 anos, dão a partida em parte da produção do café conilon em solos capixabas. Ele trabalha com a clonagem de mudas da espécie, prática iniciada no Espírito Santo em 1993, segundo o Incaper.

Clésio é gerente do Viveiro Sempre Verde, em Jaguaré. De lá, saem R$ 1 milhão de mudas por ano. Elas demoram cerca de 90 dias para ficarem prontas para a venda, e recebem todos os cuidados necessários por uma equipe de três pessoas, incluindo ele.

“Não tem muito o que falar. O café é tudo. É de beber tanto que às vezes eu deixo um pouquinho de lado porque está demais. É como se fosse uma criança pequena. Como se você pegasse o seu primeiro caderno e quisesse fazer a letra mais bonita possível”, Clésio

Café em números

A atividade gera em torno de 400 mil empregos diretos e indiretos e está presente em 60 mil das 90 mil propriedades agrícolas do estado, segundo o Incaper.

O Espírito Santo é o 2º maior produtor brasileiro de café, com expressiva produção de arábica e conilon.

O estado é responsável por 22% da produção brasileira, com 435 mil hectares em produção. A atividade cafeeira é responsável por 35% do Produto Interno Bruto (PIB) Agrícola capixaba.

De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias do Café, o Brasil é o maior país produtor e exportador de café, além de segundo maior mercado consumidor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.

Em 2016 foram industrializados no país 21,2 milhões de sacas, registrando um consumo per capita de 84 litros de café por habitante/ano. O café está presente hoje em 98,5% dos lares brasileiros

(Foto: Guilherme Ferrari / Nestlé)