EDUCAÇÃO

Sem investimento em educação, a corrupção não vai acabar

Janguiê Diniz, é fundador do grupo Ser Educacional, hoje, com 170 mil alunos.

Em 05/01/2019 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Foto: Revista Istoé Dinheiro/Reprodução

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Janeiro é mês de férias para os 170 mil alunos do grupo Ser Educacional — mas não para seu fundador, o empresário Janguiê Diniz. Nas próximas semanas, ele irá pedir um tempo nas partidas de vôlei de praia, um de seus hobbies, para se encontrar com a equipe do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a quem levará uma proposta transformadora para o Financiamento Estudantil (Fies). O programa do governo, que chegou a firmar 733 mil contratos em 2014, encolhe gradativamente desde 2015. Em 2018, apenas 80,3 mil alunos conseguiram o financiamento. “O Fies, da forma como é hoje, vai acabar”, diz Janguiê Diniz. “Tem que haver uma reformulação geral do programa.” Ele vê com bons olhos o governo de Bolsonaro e acredita que, na economia, o “pior já passou”.

Nascido em Santana dos Garrotes, sertão da Paraíba, o empresário, escritor, mestre e doutor em Direito, teve de trabalhar desde cedo. Aos oito anos, era engraxate. Dos dez aos 14, foi caixeiro-viajante, balconista em lojas de roupas, garçom e office-boy. Em 1983, foi aprovado no vestibular para Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ainda no quarto ano do curso, ele montou uma empresa de cobrança, iniciando uma trajetória de empreendedorismo que o acabaria levando à criação do Ser Educacional. O grupo congrega hoje 45 universidades e irá implementar mais 30 nos próximos dois anos. “A educação transforma vidas, histórias e destinos. E transformou a minha”, diz ele.

O CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou a liberação de 20% da carga horária do ensino médio diurno e de 30% do ensino médio noturno para educação a distância (EAD). Com a eleição de Jair Bolsonaro, a tendência é que outros projetos do tipo sejam aprovados, já que uma das propostas do novo presidente é implementar o ensino a distância a partir do nível fundamental. Qual sua opinião?

Precisamos pensar o EAD como uma realidade não apenas para a educação superior, onde isso já é factível. Nós já temos 22% dos alunos do ensino superior cursando a distância. E esse número deve dobrar até o fim de 2024, quando chegaremos a 50% no País inteiro. Temos que transportar isso para o ensino básico. Usar o apoio da tecnologia é essencial para desenvolver qualquer segmento. Isso é uma tendência mundial. Se pensarmos que cirurgias já podem ser realizadas por grandes profissionais da medicina por meio de conferências por vídeos, fica fácil entender que o papel do EAD é essencial no acesso à educação. Crianças que moram em cidades longínquas, que levam horas para chegar a escola, teriam mais oportunidades com o ensino a distância. Essas crianças já chegam às escolas cansadas devido às longas jornadas de traslado. Esse, inclusive, é um dos fatores que explicam o baixo índice de aprendizagem. Sou plenamente favorável ao ensino a distância em qualquer nível da educação, seja no básico, no superior ou na pós-graduação.

Mas como implementar o EAD para o ensino público num país onde apenas metade da população (54%) tem acesso à internet em casa? Além disso, a banda larga no Brasil é de baixa qualidade e as zonas de cobertura estão concentradas nas grandes metrópoles.

Assim como tantos outros setores do País, é preciso investimentos para que a internet seja acessível a todos. Entretanto, não podemos fechar os olhos para os avanços tecnológicos e de infraestrutura que já tivemos. A cada ano, temos mais pessoas com acesso à internet e aos computadores. É possível pensar em programas de inclusão tecnológica que permitam elevar esse número, investir em equipamentos para escolas e bibliotecas públicas. Hoje, 22% do ensino superior já é realizado a distância. Se o ensino superior pode, por que o básico não?

“Combater a corrupção é a principal alternativa para que o dinheiro chegue ao seu destino correto”Segundo último relatório da OCDE, o Brasil investe 5,5% do PIB em educação, mais que países como EUA (5,4%) e Alemanha (4%)

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O Brasil tem um sério problema de evasão escolar: 41,5% dos jovens de até 19 anos não concluem o Ensino Médio. Muitos desistem para ajudar nas despesas de casa e passam a trabalhar em idade precoce. Como reter esse aluno na escola?

Existem inúmeros motivos que fazem os alunos abandonar a escola. Com a crise econômica que o Brasil vive, trabalhar para ajudar nas despesas de casa é uma delas. Entretanto, há outros problemas no ambiente escolar. A desmotivação do aluno é um dos mais preocupantes. É um fato rotineiro detectado por profissionais de todas as áreas da educação e em diferentes níveis de ensino.

Qual é o papel do professor nisso?

O papel do professor também é estar atento a isso. É fundamental compreender o que vem a ser a motivação do aluno e como isso se constrói. Determinados alunos apresentam grande dificuldade em interagir com certas atividades, outros apresentam resistência total a adquirir conhecimentos, se isolando dos demais colegas e se negando a participar das atividades propostas. O que também existe é a desmotivação do próprio professor, por conta da falta de infraestrutura e de reconhecimento.

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O professor é desvalorizado no Brasil atualmente?

É lamentável dizer que sim, principalmente no ensino básico. É preciso garantir melhores condições de trabalho aos professores, com infraestrutura, bons salários e capacitação. O professor é, de longe, a profissão mais importante que existe, visto que sem ele não haveria nenhuma outra. Por conta da desvalorização desses profissionais, as grandes cabeças não querem mais ensinar.

Ensino em tempo integral poderia ser a solução?

É uma das soluções, mas existem inúmeras outras alternativas que passam pela melhoria da infraestrutura, implantação da meritocracia para professores e gestores, melhoria dos salários e informatização das escolas. A escola integral é uma alternativa desde que bem executada. Não adianta falarmos em aumentar os investimentos em educação se o valor destinado não for bem utilizado. Somos um dos poucos países no mundo que investe 5,5% do PIB em educação, o problema é que esse valor não chega ao seu fim por conta da corrupção. E sem investimento em educação, a corrupção não vai acabar. Um dos livros que eu escrevi se chama “Falta de Educação Gera Corrupção”. Nele eu mostro que é cientificamente comprovado que quanto menor o índice educacional de um país, maior é a taxa de corrupção. Ou seja, combater a corrupção é a principal alternativa para que o dinheiro chegue ao seu destino correto.

O movimento Escola sem Partido luta contra a “doutrinação ideológica” no ensino, mas ele em si é um movimento político e também ideológico. Como você vê isso?

Esse debate sobre o Escola sem Partido não é novo. Acho que esse movimento deveria ter outro nome. Particularmente, sou a favor da liberdade de expressão de alunos e professores, desde que seja feita com respeito, ética e moral. Acredito que o ambiente escolar é também um espaço para troca de ideias e opiniões. O professor deve ter o direito de expor a sua opinião em sala de aula, mas também tem a responsabilidade de ouvir os alunos, que podem concordar ou não com seu ponto de vista. O debate produtivo engrandece o ensino e estimula a democracia.

A Coreia do Sul é um grande exemplo de transformação de um país por meio do investimento em educação. Hoje, o cargo de professor é um dos mais importantes na sociedade sul-coreana. O Brasil pode fazer algo parecido?

A Coreia do Sul é geralmente lembrada como exemplo de país cujo sistema educacional deu certo. Há cinco décadas, eles tinham um problema tão grave quanto o do Brasil e, além disso, passavam por uma sangrenta guerra civil. Mas conseguiram se destacar ao longo dos anos, o que aconteceu por diversos motivos. Primeiro, eles tornaram todo o ensino básico obrigatório. Dados apontam que 97% dos jovens concluem o ensino médio por lá. Eles também diminuíram radicalmente a corrupção e valorizaram os docentes com a implantação de meritocracia. Melhoraram a infraestrutura das escolas com ferramentas tecnológicas educacionais. Tudo isso fez com que a Coreia do Sul desse um salto enorme. Hoje, a cada dez alunos que se formam no ensino básico do país, nove chegam ao ensino superior. No Brasil, apenas 1,7 de cada dez alunos chega ao ensino superior. E é incrível pensar que a Coreia do Sul atingiu esses índices com a mesma porcentagem do PIB que o Brasil destina a educação: 5%. A grande diferença é que na Coreia do Sul o sistema priorizou a educação primária. Só quando os índices desta chegaram ao topo, o governo passou a destinar recursos para o segundo e terceiro graus. Hoje, os valores gastos com o ensino básico sul-coreano somam quase três vezes o brasileiro: são US$ 9,3 mil por aluno ao ano contra US$ 3,8 mil no Brasil, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nós precisamos nos modelar nos países de sucesso para conseguir resolver os problemas no Brasil.

“É muito mais barato financiar vagas nas instituições particulares via bolsas, como o Prouni, ou o Fies”Em 2018, o Ministério da Educação ofereceu 100 mil vagas do Fies. Apenas 83 mil foram preenchidas.

Em 2018, as ações das empresas de educação listadas na Bolsa tiveram perdas significativas. O Ser Educacional, por exemplo, perdeu metade de seu capital na Bolsa. O que explica isso?

Existem inúmeros motivos para as movimentações da Bolsa. Alguns deles são a crise econômica e o alto índice de desemprego. Sem emprego, as pessoas não conseguem estudar. Em 2018, podemos falar sobre a falta de confiança dos investidores na economia brasileira devido às incertezas políticas. Por conta disso, os investidores tiraram dinheiro do Brasil, o que acabou derrubando as ações. A crise do Fies também afetou. Mas estamos esperançosos que em 2019 as ações vão melhorar por conta do combate à crise econômica, da regularização da questão política, da diminuição da corrupção e da melhoria da crise jurídica. Estou muito esperançoso com o novo governo.

Há uma onda de fusões e aquisições no mercado de educação. O Ser Educacional esteve próximo de fechar negócio com a Estácio. Até que ponto esse movimento é saudável?

Eu acho que a consolidação de qualquer setor é muito saudável. Isso não quer dizer diminuição da qualidade, muito pelo contrário. Os grandes grupos cada vez mais têm implementado soluções tecnológicas modernas. O Ser Educacional está fazendo uma grande revolução tecnológica digital que vai nos ajudar a melhorar a qualidade da educação de nossos alunos. Os grandes grupos têm ajudado e muito a melhorar a educação do Brasil.

Que tipo de inovação o grupo está desenvolvendo?

Criamos a Overdrives, que é um grande centro de inovação dentro do grupo. Cada unidade do Ser aqui em Recife (PE) terá o seu centro de criatividade, onde alunos, professores e colaboradores poderão trazer ideias para que possamos impactar a vida dos alunos e da sociedade. Vamos investir em startups. A Accenture está há mais de um ano implantando toda a transformação digital do Ser Educacional. A partir de 2019, deixaremos de ser uma empresa educacional transmissora de conhecimento e nos tornaremos uma empresa de tecnologia digital transmissora de conhecimento. Nós queremos, com isso, mudar o modo de ensinar e de aprendizagem dos nossos alunos pelo País.

Em 2015, o programa de financiamento estudantil do governo começou a ruir, afastando milhares de estudantes das universidades brasileiras. Qual é a importância do Fies para a educação brasileira?

O Fies promove inclusão educacional e, como consequência, a melhoria socioeconômica da população. É dever do Estado prover educação ao seu povo. Qualquer país do mundo só sai de um estágio de subdesenvolvimento para desenvolvimento através da educação, desde a básica até a superior. E é muito mais barato financiar vagas nas instituições particulares via bolsas como o Prouni ou financiamento como o Fies. Em 2018, o MEC só ofereceu 100 mil vagas do Fies. Apenas 83 mil foram preenchidas. Isso acontece por conta de diversas questões: rigidez, burocracia, e renda mínima alta demais para participar do programa. Com as mudanças das regras, aliadas ao período de recessão que o Brasil tem enfrentado, o número de vagas ociosas tem sido muito alto. Isso levou à decadência do Fies, um programa de suma importância para a inclusão educacional no nível superior.

E o que pode ser feito para que esse quadro seja revertido?

É preciso haver uma reformulação geral da educação. O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, do qual eu sou presidente, enviará ao governo de Jair Bolsonaro uma sugestão de reformulação do programa para que haja a participação de três atores: governo, das próprias instituições e dos alunos. A função do governo será ampliar e flexibilizar as regras. As instituições superiores privadas serão encarregadas de oferecer descontos, que serão abatidos nas mensalidades dos alunos. E os candidatos terão de se comprometer a pagar um percentual do valor financiado a cada mês. Um percentual pequeno, mas que vai ser importante para que o próprio sistema seja retroalimentado. Nós iremos levar essas sugestões para o governo de Jair Bolsonaro ainda em janeiro.