TEMAS GERAIS

Vem aí um ano de desafios para o setor lácteo brasileiro.

Outro desafio do setor relacionado à demanda diz respeito à imagem dos produtos lácteos junto ao consumidor.

Em 11/12/2014 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

O mercado lácteo caracteriza-se por seu dinamismo: qualquer desequilíbrio entre oferta e demanda provoca grandes oscilações no comportamento dos preços e da produção. Para 2015, os fatores que irão exercer influência sobre a demanda interna de leite tendem a se apresentar de forma pouca animadora para o setor. De acordo com o Boletim Focus do Banco Central (14/11/2014), a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país para o próximo ano será de 0,80%, valor pouco maior que os 0,21% previstos para 2014. Esses números sinalizam que haverá manutenção ou até mesmo redução no consumo de produtos lácteos, principalmente daqueles de maior valor agregado.

Outro desafio do setor relacionado à demanda diz respeito à imagem dos produtos lácteos junto ao consumidor. Em novembro de 2014, o Ministério da Saúde publicou o novo Guia Alimentar para a População Brasileira, em que relata os cuidados necessários para se alcançar uma alimentação saudável. No entanto, ao contrário da versão anterior que trabalhava com grupos de alimentos e porções recomendadas, o novo estudo sugere alimentos frescos e minimamente processados.

Dessa forma, enquanto a versão anterior preconizava porções diárias de produtos lácteos equivalentes a mais de 200 litros/pessoa/ano, a edição atual recomenda que seja evitado o consumo de produtos como iogurtes e queijos, pois são processados, colocando-os no mesmo patamar de alimentos pouco saudáveis, como refrigerantes, por exemplo. Equívocos como este deverão ser trabalhados de forma coordenada pela cadeia, para que não ocorra redução do consumo em função do desconhecimento real da situação.

Do lado da oferta, a relação entre preço do leite e o custo serão determinantes para ditar o ritmo do crescimento produção. Para o próximo ano, de acordo o Boletim Focus (14/11/2014) a taxa média de câmbio em 2015 será de R$/US$ 2,58, que corresponde a um aumento de 9,6% frente ao valor médio previsto para 2014. Com a moeda nacional desvalorizada, haverá maior atratividade para as exportações, inibindo as importações, fato que pode ser benéfico em um cenário de retração de consumo ou excesso de oferta. Para uma análise mais abrangente, porém, é preciso considerar as cotações do leite em pó integral no cenário internacional. Para o primeiro semestre do próximo ano, o Rabobank prevê cotações por volta de US$ 3.000/tonelada, valor pouco interessante para indústria nacional.

No que se refere aos custos de produção, os insumos que são importados, fertilizantes, medicamentos e defensivos agrícolas, ficarão mais caros em função da alta do dólar. Outros componentes do custo, tais como salário mínimo, energia elétrica e óleo diesel, já têm aumento certo para 2015. A grande incógnita está relacionada à ração concentrada, produto que representa mais de 40% do desembolso do produtor de leite.

O segundo levantamento da safra 2014/2015 da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), estima uma redução de 3,7% na produção de milho e um aumento entre 3,7% e 6,5% na produção brasileira de soja. Com a recomposição dos estoques mundiais e a perspectiva de boa colheita da safra americana, a tendência é que não haja fortes incrementos nas cotações desses insumos.

Ainda no contexto nacional, a entrada no mercado da empresa francesa Lactalis poderá provocar mudança na dinâmica dos preços pagos aos produtores. Com a compra de fábricas da BRF e LBR, a captação de leite prevista da nova indústria será por volta 1,6 bilhões de litros/ano, passando ser a segunda maior do país. A multinacional especializada em queijos é a terceira maior indústria de laticínios do mundo, com fábricas espalhadas em 70 países, segundo International Farm Comparison Network (IFCN). Sua vinda para o Brasil vem sendo estudada há alguns anos, tendo como objetivo a entrada nesse grande mercado consumidor.

No cenário internacional, o fim das cotas de produção da União Europeia será um dos acontecimentos mais aguardados pelo setor lácteo. O sistema está em vigor há 30 anos e será extinto em abril de 2015, permitindo a livre produção dos países membros. É positivo o maior crescimento econômico do bloco para o próximo ano, que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), será de 1,3%. Entretanto, com a manutenção do embargo estabelecido pela Rússia em agosto de 2014, a União Europeia, Estados Unidos e Austrália, em função da crise com a Ucrânia, pode prejudicar significativamente as exportações do bloco, visto que 30% das exportações de queijos e 25% de manteiga tinham como destino a Rússia.

A Rússia é a segunda maior importadora de produtos lácteos do mundo, perdendo apenas para a China. Em 2013, foram importadas 629 mil toneladas de produtos lácteos (Dairy Australia). Com o embargo, abriu-se uma chance para novos fornecedores, entre os quais a Nova Zelândia, Turquia e países da América do Sul, como o Brasil, que já habilitou algumas plantas industriais. Tal fato, associado à desvalorização do real, materializa-se como uma grande oportunidade para o Brasil exportar para esse país produtos como queijos e, principalmente, manteiga, cujo potencial de expansão é enorme. Porém, tudo dependerá das cotações internacionais e da dinâmica dos preços no mercado interno.

Em relação à produção de leite nos principais países exportadores (União Europeia, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália, Argentina, Uruguai e Brasil), o crescimento foi de 5,1% no primeiro semestre de 2014, estimulados pela redução nos custos com alimentação do rebanho e pelo longo período de preços recordes. Já para o mesmo período de 2015, a estimativa é que seja de apenas 1,6% em função dos menores preços das commodities lácteas e da menor intensidade de compras por parte da China que recompôs seus estoques.

Por outro lado, preços mais baixos das commodities lácteas e o melhor desempenho da economia mundial, poderá aumentar o consumo mundial de produtos lácteos, proporcionando melhoria nas cotações no segundo semestre de 2015. Isso porque o PIB dos países emergentes subirá de 4,4%, em 2014, para 5,0%, em 2015. Ao mesmo tempo, o crescimento econômico dos países desenvolvidos subirá de 1,8% para 2,3%, segundo dados do FMI.

Nesse contexto, observa-se que há muitas variáveis que poderão interferir na margem (Receita – Custo) dos produtores. Tudo aponta para um início de 2015 mais complicado em comparação ao ocorrido em 2014, demandando maior atenção aos produtores no que se refere ao processo administrativo e estratégico da atividade no próximo ano.

Gráfico 1: Histórico e previsão das cotações de leite em pó integral na Oceania (US$/tonelada)

Fonte: Rabobank, USDA – 2014.
Elaboração: Rabobank



Balanço 2014

Comportamento da balança comercial de lácteos ajuda amenizar pressão sobre os preços pagos aos produtores

O cenário indica que as exportações brasileiras de lácteos, em 2014, terão o segundo melhor desempenho da história do setor. No acumulado até outubro o país exportou US$ 280,5 milhões, valor 207% superior ao do mesmo período do ano anterior. Esse total, certamente, será maior até final do ano, ultrapassando os números de 2007: US$ 299 milhões em vendas ao exterior. No entanto, ficará abaixo de 2008, quando o país bateu seu recorde de exportação e de superávit na balança comercial de lácteos, conforme observado no gráfico 2.

Com relação às importações, Argentina e Uruguai, principais origens dos produtos lácteos importados pelo Brasil, apresentaram problemas de oferta no primeiro semestre, além de restrições as exportações por parte do governo argentino. Tais fatos, dentre outros, contribuíram para redução de 25,7% nos valores importados de janeiro a outubro de 2014. Apesar da queda, o saldo da balança comercial de lácteos ainda foi deficitário em US$ 91,6 milhões, resultado 77% inferior ao do ano passado.

Os altos preços das commodities lácteas no primeiro semestre do ano, a alta do dólar frente ao real e o forte incremento na produção nacional, que de acordo com o índice de captação do Centro de Estudos Avançados em Econômica Aplicada (CEPEA) registrou aumentos acima de 14%, no acumulado até setembro, foram os principais acontecimentos que influenciaram o comportamento da balança comercial lácteos. A combinação desses fatores permitiu que a indústria brasileira atingisse competitividade no âmbito internacional, exportando principalmente leite em pó integral, cujo principal destino foi a Venezuela.

No mercado interno, o menor crescimento econômico do país impediu que a demanda aumentasse. Com isso, foram pequenos os aumentos de preços repassados aos consumidores, no acumulado até outubro. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do leite e seus derivados foi de apenas 4,78%, enquanto o dos alimentos e bebidas e o índice geral foram de 6,06% e 5,05% respectivamente. Dessa forma, os produtos lácteos sempre considerados como os vilões da inflação, apresentaram comportamento contrário neste ano, com preços aos consumidores menores ao índice de inflação.

Nesse cenário, a menor entrada de leite associada a maior saída, aliviou de certa forma a pressão de baixa nos preços pagos aos produtores que ficaram estagnados em boa parte do ano. De acordo com o CEPEA, o preço médio do leite no acumulado até outubro foi de R$/L 1,07, o que representou apenas 0,6% de aumento comparado aos preços deflacionados de 2013. Certamente, com as menores cotações de novembro e dezembro - início da safra na região Sudeste e Centro-Oeste - a variação do preço médio em 2014 será negativa.

A situação do produtor só não foi pior, em função dos custos mais baixos relacionados com a alimentação do rebanho. Os insumos que compõem a ração concentrada, basicamente o milho e o farelo de soja, apresentaram cotações inferiores às do ano passado. Com isso, a alta no custo de produção foi da ordem de 6,0% até outubro, segundo a Embrapa Gado de leite. Os principais aumentos ocorreram em função da elevação dos gastos com mão de obra e dos produtos que acompanham a cotação do dólar, como medicamentos, fertilizantes e suplementos minerais.

Gráfico 2: Evolução da balança comercial de lácteos

* Dados referentes a janeiro a outubro de 2014
Fonte:Sistema Alice/SECEX/MDIC
Elaboração: CNA

Autor: Bruno Lucchi - Brasília-DF - Assessor Técnico CNA.

Direitos reservados

Este artigo é de uso exclusivo do MilkPoint, não sendo permitida sua cópia e/ou réplica sem prévia autorização do portal e do(s) autor(es) do artigo.