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Violência transforma unidades em hospitais de guerra no RJ

Hospital Geral de Nova Iguaçu atende cerca de dois baleados por dia.

Em 19/07/2017 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

Os casos de violência no Rio produzem um número cada vez maior de vítimas. Para atender todos esses feridos, as unidades de saúde do estado se transformaram em verdadeiros hospitais de guerra. “Olha, o serviço aqui ele é pesado. A gente tem um movimento muito grande. Vem aumentando nos últimos anos progressivamente”, afirmou o cirurgião Alessandry Bastos.

O aposentado da Marinha Henrique da Silva Jesus foi levado às pressas ao Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, com um tiro no braço esquerdo depois ao sofrer uma tentativa de assalto, em Nilópolis. Os médicos não querem perder tempo. Pedem para o paciente fazer alguns gestos e avaliar se perdeu algum movimento. Ele vai precisar de cirurgia. A qualquer momento pode chegar um novo baleado.

“É um clima tenso porque a gente fica no meio do fogo cruzado. A gente atende um, dois, três até 5 pafs ( perfuração por arma de fogo) no crânio no mesmo dia de plantão”, destacou o neurocirurgião Rafael de Mello. Para o diretor do hospital, Joé Sestello, é um hospital típico de guerra. “Difícil um plantão que não tenha um baleado”, afirmou.

Nos seis primeiros meses desse ano, hospitais da rede estadual já atenderam 1.275 baleados. Mais que em todo o ano passado, quando foram 996. O Hospital Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, Caxias, está em primeiro lugar nessa lista, com 369 baleados. É lá que está internado o bebê Arhtur, que foi atingido por um tiro quando ainda estava na barriga da mãe. Em seguida, vem o Hospital Getúlio Vargas, que fica perto dos complexos do Alemão e da Penha, Hospital Alberto Torres, em São Gonçalo, e o Azevedo Lima, em Niterói.

A quantidade de baleados aumentou tanto que até as UPAs estão tendo que se adptar. As unidades de pronto atendimentos foram criadas para cuidar de casos mais simples, mas médicos e enfermeiros estão sendo treinados para atender vítimas de armas fogo.

No Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI), que é federal e desde 2002 é administrado pela prefeitura do município, as balas ficam depositadas em caixas. Nelas ficam as balas retiradas de pacientes desde 2007.

Em 2013, o HGNI atendeu 172 baleados, mas o número foi aumentando ano a ano. Em 2016, foram 475 casos. Nesse ano, a estimativa é ultrapassar os anteriores, pois já foram cerca de 400, uma média de 2 por dia. Nas caixas onde ficam os projéteis do HGNI, estão apenas balas de revólveres e pistolas, pois as de fuzil geralmente atravessam o corpo da vítima.

Grande parte dos feridos tem envolvimento com o tráfico de drogas. Os feridos ficam sob a custódia da Polícia Militar. E não é só a quantidade. A gravidade dos ferimentos assusta mesmo médicos experientes, como o médico Alessandry Bastos, que trabalha no HGNI há 15 anos.

“No início da década de 90 a gente atendia muito baleado por projetil de baixa velocidade, revolver, pistola. As lesões caudas por esses projetis são lesões mais simples. Agora vem aumentando, mas assim numa quantidade muito grande os baleados com projetis de alta velocidade, que são os baleados por fuzis. Geralmente chegam aqui com lesões de múltiplos órgãos”, afirmou o médico.

Um disparo de fuzil causa ferimentos também no orçamento do hospital. Atender um baleado por essa arma de guerra pode custar até R$ 200 mil.

“Não é só o primeiro atendimento. É um paciente que em seguida vai pro CTI e tem um custo exarcebado no decorrer de sua internação. Pacientes hoje que quando tem a abordagem de vários especialistas, órteses e prótese, pode chegar a 150, 200 mil cada doente”, disse o diretor da unidade.

O hospital da Posse recebe do governo federal R$ 8 milhões e a prefeitura do município dá mais R$ 10 milhões. Esses R$ 18 milhões são o que o hospital gasta por mês, mas a conta está no limite.

“Nós estamos apostando todas as fichas que o ministério vai fazer, com certeza, a sua conclusão final, depois de ter avaliado todos as documentações e concluir, de fato que nós realmente precisamos de um aumento do repasse de verbas mensal”, disse Joe.

Apesar da dificuldade, a direção afirma que aumentou o número de leitos de alta complexidade esse ano, de 11 pra 32. O hospital precisa estar preparado, pois até mesmo quem está acostumado a ver a violência tão de perto, tem medo fazer parte dessa realidade.

“É difícil desligar, e na volta pra casa, passar pelas vias que a gente tem que passar, dá medo de voltar para o hospital como paciente. Esse é um grande pavor que a gente tem aqui no hospital”, teme o neurocirurgião Rafael de Mello.

(Foto: Reprodução / TV Globo)