POLÍTICA NACIONAL

Comissão aponta 377 responsáveis por crimes durante a ditadura

A entrega do relatório foi realizada na manhã desta quarta-feira (10)

Em 10/12/2014 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

A Comissão Nacional da Verdade entregou nesta quarta-feira (10) à presidente Dilma Rousseff o relatório final de seu trabalho, realizado durante dois anos e sete meses. Criada por lei aprovada no Congresso em 2011 e instalada em 2012, a comissão tinha como tarefa legal apurar e esclarecer casos de graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988.

O relatório da Comissão Nacional da Verdade reúne e condensa em grande parte outros levantamentos já feitos no País sobre graves violações de direitos humanos. Mas ele também apresenta novidades. A lista de mortos e desaparecidos, com os nomes de 434 pessoas, das quais 210 continuam desaparecidas, é a mais extensa já produzida por organismos oficiais. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos havia listado até agora 362 vítimas.

Uma das causas da diferença nos números é a mudança nos critérios de inclusão dos nomes. A pedido de familiares de mortos e desaparecidos, foram incluídas algumas vítimas da ditadura que não tinham ligações comprovadas com organizações de esquerda.

A lista de agentes de Estado apontados como autores de graves violações de direitos humanos também é a maior já produzida. As listas anteriores, que começaram a ser produzidas na década de 1970, quando ainda circulavam de maneira clandestina no País, continham na média cerca de duzentos nomes. A  da Comissão da Verdade chegou a 377.

Isso também está relacionado a mudanças de critérios. Além dos agentes de Estado que, segundo as investigações da comissão, seriam os autores diretos de crimes como tortura, sequestro, execução sumária e ocultação de cadáver, a lista inclui os seus superiores – numa escala de comando que chega à Presidência da República. A justificativa é que os crimes registrados em instalações militares e em locais clandestinos de tortura, como a Casa da Morte, em Petrópolis, na região serrana do Rio, faziam parte de uma política de Estado.

“Na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares”, diz o relatório.

O primeiro dos presidentes militares, o marechal Castelo Branco, não teve participação direta em casos torturas. Mas, segundo a comissão, ele é responsável do ponto de vista político e institucional, por ter tomado a decisão de criar o Serviço Nacional de Informações (SNI), para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro.

O general reformado  Leônidas Pires Gonçalves, que chefiou o Ministério do Exército nos cinco anos do governo do presidente José Sarney e recentemente encabeçou uma manifestação de repúdio às ações da Comissão da Verdade, também está na lista. O texto lembra que ele chefiou o  Estado-Maior do I Exército de 1974 a 1976, período em que “foi responsável pela chefia do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e por ações no âmbito da Operação Radar, contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB), e do episódio conhecido como Massacre da Lapa, contra a cúpula dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B)”.

A mudança acabou ampliando também a lista de agentes de Estado não ligados às Forças Armadas. É o caso do delegado Romeu Tuma. Até sua morte, em 2010, o delegado conseguiu manter seu nome desvinculado das acusações de graves violações de direitos humanos na ditadura. O relatório lembra, no entanto, que ele atuava na sede   Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP) num dos períodos em que aquela instituição mantinha algumas das equipes mais atuantes do País na repressão política, no final da década de 1960 e início dos anos 70. Mais tarde, entre 1977 e 1982, ele foi diretor do órgão. Saiu para assumir  superintendência da Polícia Federal em São Paulo.

Chama a atenção na lista a presença marcante de médicos que atuavam nos institutos médicos legais. Segundo as acusações da comissão, eles fraudavam laudos para dar cobertura às ações ilegais de agentes da repressão. Um dos nomes listados é o de Harry Shibata, que assinou o laudo do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, em São Paulo, corroborando a versão de suicídio.

De quase quarenta comissões da  verdade já instaladas ao redor do mundo, a brasileira é uma das poucas que, além de dar voz às vítimas e descrever detalhadamente os casos de graves violações de direitos humanos, aponta os nomes das pessoas que seriam  juridicamente responsáveis. Um exemplo semelhante ocorreu na África do Sul, na apuração dos crimes cometidos durante o regime de apartheid.

Outra diferença do relatório final é a ênfase dada a questões como violência sexual, violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes na ditadura.  Tratados de forma quase marginal em relatórios anteriores, esses temas ganharam um longo capítulo à parte no relatório. O grupo de trabalho que investigou essas questões ouviu 41 crianças e adolescentes que foram sequestradas, estiveram em prisões com os pais, ou foram submetidas diretamente a torturas.

No conjunto, desde sua instalação, há 31 meses, a comissão ouviu 1.116 depoimentos.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade está apoiado, da primeira à última página, em dois eixos principais. O primeiro é de que as graves violações de direitos humanos não estavam limitadas aos chamados porões da ditadura e a alguns agentes de Estado descontrolados. A tortura, as execuções  sumárias, os sequestros, os desaparecimentos forçados e outras violações ocorridas no período faziam parte de uma política de Estado, segundo as seis personalidades que assinam o documento.

"As ações que resultaram em graves violações de direitos humanos estiveram sempre sob monitoramento e controle por parte dos dirigentes máximos do regime militar", diz o texto.

O segundo eixo reúne as convenções internacionais sobre direitos humanos das quais o Brasil faz parte. Elas são lembradas de maneira recorrente, em quase todos os 18 capítulos do primeiro volume, para sustentar a argumentação de que os agentes de Estado apontados como responsáveis pelas violações não podem ser anistiados.

Os comissionados citam convenções e pactos internacionais contra o desaparecimento forçado, as violências sexuais, a tortura, um vasto conjunto de direitos, aos quais os países se submetem e aceitam ser monitorados de fora. "Desde o início do processo de transição democrática, o Estado brasileiro se vinculou formalmente aos principais tratados de direitos humanos dos sistema da ONU e da OEA", lembra o texto.

O rol de 29 recomendações do relatório final da Comissão Nacional da Verdade começa mirando as Forças Armadas - que estiveram à frente do golpe de 1964 e detiveram o poder nos 25 anos seguintes. A comissão recomenda o "reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985)".

As cinco recomendações seguintes também envolvem, diretamente ou indiretamente, as Forças Armadas. Tratam, entre coisas de mudança no currículo das escolas de formação militar. O objetivo é valorizar mais os princípios relacionados a direitos humanos. Uma outra recomendação é para que se proíba qualquer evento oficial de comemoração do golpe militar de 1964.

A comissão investigou separadamente algumas das denúncias e suspeitas mais emblemáticas e conhecidas do período da ditadura, como as que envolvem as mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart.

No caso de Juscelino, os peritos da comissão chegaram à conclusão de que ele não foi assassinado. Em relação a Goulart, disseram não haver prova conclusiva de que foi envenenado, como a família suspeita.

NÚMEROS DA COMISSÃO

434 - total de mortos e desaparecidos listado

210 - números de vítimas que continuam desaparecidas

 1 - do conjunto de desaparecidos foi localizado pela comissão

377 - total de agentes de Estado apontados como responsáveis pelas graves violações

Fonte: Folha Vitória