POLÍTICA NACIONAL

Relatores discutem projetos de lei sobre proteção de dados

A expectativa dos dois parlamentares é que as novas versões dos PLs sejam apresentadas.

Em 07/05/2018 Referência CORREIO CAPIXABA - Redação Multimídia

No Congresso Nacional, tramitam diversos projetos de lei para disciplinar a proteção, a coleta e o processamento de dados pessoais. A Agência Brasil conversou com os dois parlamentares responsáveis pelas principais propostas: o deputado Orlando Silva, relator do Projeto de Lei (PL) 5276/2016 em uma comissão especial criada na Câmara para analisar a matéria, e o senador Ricardo Ferraço, relator do PL 330/2013 na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Embora os dois tenham destacado que não podiam adiantar detalhes do que deve entrar nos textos, os relatores falaram sobre a importância da Lei, os principais pontos que devem ser regulados e os desafios à aprovação dos projetos. A expectativa dos dois parlamentares é que as novas versões dos PLs sejam apresentadas ainda no mês de maio.

REPORTER: Deputado, qual é a importância da proteção dos dados pessoais e por que deve ser alvo de uma legislação específica?

Orlando Silva: O tema da proteção de dados é muito delicado. Existe hoje no mundo um fator novo, a economia de dados. O mundo inteiro está preocupado com isso, seja porque há polêmica sobre o Facebook e Cambridge Analytica, seja porque o critério de o Brasil ser incorporado à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade que reúne as principais economias do mundo] é ter um marco regulatório de dados pessoais, seja porque a Europa deve ter nova normativa.

A Europa tem, desde a Segunda Guerra, proteção à privacidade. Em 1995, o continente produziu legislação prevendo a internet. E depois do caso Snowden [Edward Snowden, ex-prestador de serviço da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos] revisou a regulação [criando a Regulação Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor neste mês]. Do ponto de vista econômico, a economia digital é tema relevante para o Brasil. Tudo isso nos motiva a dar uma grande prioridade a esta matéria. O Brasil pode ser vanguarda um ator econômico global se tiver um marco que garanta privacidade e estimule livre iniciativa.

REPORTER: Todas as esferas, tanto privada quanto pública, devem obedecer aos preceitos da legislação?

Silva: A legislação deve incluir o setor público e o privado. Não faz sentido ter uma regra de proteção que se aplique apenas à atividade privada empresarial. Governos são principais guardiões de dados pessoais. Lei deve tratar destes dados.

REPORTER: Quais temas principais devem constar na Lei aprovada?

Silva: É preciso ter atenção para o item da transferência internacional de dados. O mundo está hiperconectado. Não importa o status que possuam, mas empresas com representação no país devem ser cobertas pela lei. Não há empresa relevante que não tenha presente necessidade de cuidar dos dados. Facebook acabou de alterar política de consentimento. Ou protegemos dados das pessoas para que haja confiança ou corremos o risco de travar a evolução de possibilidades.

Outro tema que merece cuidado é o do “legítimo interesse” que deve ser restrito àquilo para o qual foi autorizado o tratamento desses dados. A inspiração do legítimo interesse tem a ver com o que está pactuado. O legítimo interesse está vinculado ao objetivo, ao fundamento entre quem consente e o responsável por este tratamento.

REPORTER: E quem deve ser responsável por promover a fiscalização e aplicar a lei?

Silva: Ter uma autoridade especializada é algo fundamental. A criação de autoridade é um item que praticamente é consenso entre todos que tratam de privacidade. Há quem diga que a iniciativa legislativa de criar algum órgão é prerrogativa do Poder Executivo. Mas há quem diga que se o Poder Legislativo toma iniciativa neste sentido e essa iniciativa é sancionada pelo Poder Executivo, isso poderia sanear um vício de origem.

REPORTER: E como resolver o cenário de tramitação de duas propostas, uma em cada casa?

Silva: Do ponto de vista legislativo, a Câmara, como câmara de representação da população, deveria ter a iniciativa de votar a matéria. O Senado é a casa da federação, do equilíbrio do sistema federativo. Como é tema difuso, ela [a Câmara] tem obrigação para que Senado possa fazer papel revisor. Tem a ver com natureza da matéria e atividade da casa.

Tenho conversado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e sinto que a perspectiva é pautar ainda neste semestre esta matéria. Há um excelente diálogo entre Câmara e Senado, relator do PLS 330, com quem temos tido diálogo permanente. Semanalmente há conversas com o senador para produzirmos uma convergência neste esforço. Não há concorrência, há espírito colaborativo. O PL 5276/2016 é um bom ponto de partida.

Ricardo Ferraço (PSDB-ES)

REPORTER: Senador, qual é a importância da proteção dos dados pessoais e por que deve ser alvo de uma legislação específica?

Ricardo Ferraço: Nenhum de nós consegue se imaginar hoje sem a evidência da realidade da internet nas nossas vidas. Ela se transformou numa ferramenta muito fabulosa nos diversos campos das relações humanas, sociais, públicas, privadas. O fato de termos quase 120 milhões de brasileiros navegando dá a dimensão disso. E globalmente nem se fala. Na prática é um debate que se arrasta não só aqui como mundo afora, para que a internet não seja terra de ninguém. Que se estabeleça princípios, diretrizes, responsabilidades.

Ficou evidente a necessidade de evoluirmos em um marco sobre a proteção dos dados. O desafio é enorme, pois este é um tema muito sensível. União Europeia anunciou novo código de proteção de dados e este debate tem sido importante porque estamos nos valendo desta massa crítica, para que tenhamos algo que possa regular, mas o desafio é fazer algo que não seja intervenção, que iniba inovação, conhecimento e ferramentas extraordinárias.

REPORTER: Qual será o escopo do projeto de lei?

Ferraço: Vamos estabelecer responsabilidade em todos os campos, inclusive na coisa pública. Ninguém armazena mais dados do que o Estado. Ele também precisa ter responsabilidades, limites, deveres, respeitada a supremacia do interesse público. Tanto setor privado quanto setor público serão regulados. Houve polêmica de que só regularíamos o setor privado, mas isso é falsa polêmica. Vamos estabelecer limites ao setor público também.

REPORTER: Quais devem ser os limites, parâmetros e as obrigações estabelecidos para o tratamento de dados?

Ferraço: Serão disciplinados os casos em que há responsabilidade da guarda dos dados pessoais. A gente pretende regular conceituando na lei os limites do legítimo interesse [para tratamento dos dados diverso daquele para o qual foi pedido consentimento ao usuário]. Este limite está diretamente relacionado às prerrogativas do Estado. O grande desafio é levar para a internet direitos fundamentais que estão consagrados no texto constitucional e legislação infraconstitucional. Você tem o direito à preservação da sua privacidade. Mas tem o direito à livre iniciativa, o direito à inovação.

REPORTER: Qual é a sua avaliação sobre a criação de uma autoridade regulatória?

Ferraço: Por certo há que ter um órgão que vá fazer este monitoramento, acompanhamento. Esse é tema polêmico. Nós temos vício de iniciativa porque como somos do Legislativo não está claro [a nossa prerrogativa] para poder determinar ao Poder Executivo isso. Há previsão constitucional que diz que isso é faculdade do Poder Executivo. A gente está vendo como encaminhar uma solução. Pode ser que a gente traga como recomendação que, durante um período, as atribuições fiquem em um ministério até que se defina a constituição de um órgão específico. A lei vai trazer as formas de fiscalização, os limites da autoridade, dependendo da circunstância da situação

REPORTER: E como resolver o cenário de tramitação de duas propostas, uma em cada casa?

Ferraço: Estamos conversando com a Câmara, com a presidente da comissão [deputada Bruna Furlan, PSDB-SP], com o deputado Orlando Silva [PC do B-SP], para ver se a gente consegue construir consensos básicos e mínimos, preservando o espaço da Câmara e do Senado. O esforço é para ver se conseguimos texto que saia preservando o acumulado do que está sendo debatido na Câmara, para ser algo minimamente convergente. Se conseguirmos isso, e acho que estamos condenados a isso, a gente vai avançar bem no processo legislativo.