EDUCAÇÃO

Alunos da USP vendem colares para participar de competição em Harvard.

Estudantes tentam levantar R$ 30 mil até outubro para ir até os EUA.

Em 20/09/2015 Referência JCC

Na tentativa de arrecardar cerca de R$ 30 mil, uma equipe de dez estudantes de graduação e mestrado da Universidade de São Paulo (USP) decidiu pedir doações pessoais a professores, abrir um projeto de financiamento coletivo e até vender colares artesanais. O objetivo é garantir a participação da primeira equipe da América do Sul na Biomod, uma competição de biologia sintética patrocinada por um instituto da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

O grupo também é um dos pioneiros no Brasil a trabalhar na pesquisa aplicada do DNA Origami. A tecnologia foi batizada com o nome da técnica de dobradura japonesa justamente porque, com ela, os segmentos de DNA podem ser dobrados e moldados, como o papel que conhecemos, para formar máquinas. Esse tipo de manipulação genética pode ajudar a reduzir os cursos e processos de produção de tratamentos para várias doenças.

A explicação parece simples, mas é altamente complexa, a começar pelo fato de essas máquinas serem microscópicas, e impossíveis de serem vistas a olho nu. Otto Heringer, estudante de química da USP, e integrante do grupo selecionado para o evento em Harvard, explicou ao G1 como a manipulação é feita:

Segundo ele, o formato do DNA não se parece ao do papel: ele é mais ou menos semelhante a uma linha de um novelo de lã. "Não conseguimos dobrar essas linhas diretamente como fazemos com o papel porque o DNA é muito pequeno, mas exatamente por ser muito pequeno, as imperceptíveis pequenas forças elétricas dos átomos do DNA tornam-se importantes para dobrar sua estrutura", diz ele.

"Fazemos uso dessas forças para planejar nossos pedacinhos de DNA para se auto-dobrarem quando os aquecemos até uma determinada temperatura e depois os resfriamos lentamente."

Além das forças dos átomos de DNA, os estudantes usam enzimas, um tipo de proteína orgânica, que facilitam o processo de ligação dos vários segmentos de DNA usados na construção.

Humanas e exatas de mãos dadas
De acordo com Clarissa Reche, estudante de ciências sociais e também integrante da Protomatos, nome da equipe multidisciplinar que desenvolveu a ideia e foi aceita no evento de Harvard, o projeto nasceu dentro do Clube de Biologia Sintética da USP. Aos 28 anos, e formada em design de produtos, Clarissa pesquisa a área de antropologia da ciência, e por isso diz ter se interessado em participar do clube.

"Me interessa como, através da ciência, a gente estabelece relações humanas, e vice-versa", disse ela ao G1. Desde janeiro, os estudantes se reunirem uma vez por semana para desenvolver o projeto.

O grupo também fez um caminho pouco comum: foi só depois de se auto-organizar que os alunos buscaram a orientação de um professor, requisito para participar da competição nos Estados Unidos.

"Entramos em contato com vários professores e procuramos vários contatos no Brasil que pudessem nos orientar na parte prática do projeto e acabamos descobrindo que somos um dos poucos primeiros projetos de pesquisa brasileiros a fazer construções com DNA Origami no Brasil. Em termos de know-how para executar os projetos na prática, conseguimos orientações de pesquisadores brasileiros que já trabalharam com isso fora do Brasil e com pesquisadores estrangeiros visitantes que conhecemos na USP", disse Otto.

Processo celular
O objetivo do trabalho com essas nanomáquinas, segundo o estudante, é imitar o processo de transformação de moléculas feito dentro de cada célula, que, segundo ele, funciona como uma "minifábrica". O projeto do grupo de estudantes brasileiros consiste em "otimizar a "logística" que acontece dentro da célula diminuindo o caminho de uma enzima para outra prendendo-as dentro de uma nanoestrutura de DNA Origami em formato de um poliedro, funcionando como uma caixa".

Para que essas "nanocaixas" possam acomodar diferentes processos de ligação de enzimas, os estudantes da USP usaram um software desenvolvido pelo pesquisador Cássio Alves no seu projeto de doutorado no Instituto de Física (IF-USP). De acordo com os jovens, a tecnologia de criação dessas estruturas "poderia otimizar a produção de qualquer composto bioquímico, podendo baratear bastante o processo de produção atual de virtualmente qualquer fármaco".

Harvard e vaquinha
O Biomod acontece no início de novembro deste ano e, até agora, o grupo, composto por estudantes de química, ciências sociais, física, ciências biomédicas, arquitetura e física biomolecular, já conseguiu recursos suficientes para comprar o material biológico e os reagentes químicos para construir o protótipo inscrito no torneio desde o início do ano.

Ainda faltam, segundo eles, a taxa de inscrição dos participantes e a passagem aérea. Depois de receberam um "não" como resposta a pedidos de financiamento na USP, o grupo conseguiu arrecadar cerca de R$ 5 mil em doações de professores. "Muitos tiraram do próprio bolso", explicou Clarissa.

Na semana passada, o grupo lançou uma campanha de financiamento coletivo para tentar juntar R$ 7 mil, e já arrecadou cerca de R$ 800 com a venda de colares e cadernos feitos por eles mesmos. "A gente conseguiu usar uma cortadora laser 3D de graça, comprou o material, fez o design das moléculas, começou a cortar e vender", explica Clarissa.

Todo o trabalho, segundo eles, vale a pena. "É uma abordagem de se fazer ciência 'de baixo para cima', com um grupo organizado de alunos desenvolvendo diferentes aspectos de um projeto e sendo orientado por diferentes professores de diferentes backgrounds", diz Otto. "Como o projeto é 'independente', ou seja, arruma maneiras de se financiar e acontecer na infra-estrutura da USP, ele ganha a vantagem de conseguir assumir riscos para executar projetos inovadores."

Fonte: G1-SP