CIDADE

Armadilhas na rota das bicicletas causam mais de mil acidentes no ES.

Curta rede de ciclovias apresenta intenso fluxo de veículos.

Em 16/06/2017 Referência JCC - Raquel Lopes (Foto:Fernando Madeira)

Se por um lado a sensação de estar numa bicicleta é de liberdade, por outro, é sinônimo de perigo na Grande Vitória. Apesar das inúmeras vantagens de não enfrentar trânsito, economizar com transporte e praticar atividade física, pedalar passou a ser um desafio. A rede de ciclovias é pequena, o fluxo de veículos é intenso e há falta de respeito dos motoristas.

No Estado em 2016, dos 9.588 atendimentos de acidentes de trânsito realizados pelo Samu 192, 1.022 (10,65%) envolveram ciclistas. O número é maior que em 2015, quando foram prestados 866 (9,85%) atendimentos a ciclistas de 8.790 ocorrências, segundo dados da Secretaria de Saúde (Sesa). O último levantamento do Ministério da Saúde feito em 2014 aponta que 1.357 ciclistas morreram naquele ano em todo o país.

Os 149 quilômetros de ciclovias na Serra, Vitória, Cariacica e Vila Velha não são suficientes para interligar trechos cicloviários. Grande parte não apresenta boas condições de uso. Há buracos, desníveis do asfalto e falta de sinalização.

Sem ciclovia

Com o número reduzido de ciclovias e ciclofaixas os ciclistas precisam se aventurar entre carros, motos e ônibus. O Código de Trânsito Brasileiro diz que o motorista tem que ficar a um metro e meio de distância do ciclista em pistas ou em ciclofaixas.

No entanto, isso não acontece, principalmente em vias de grande circulação e onde não há ciclovias, como nas avenidas Leitão da Silva e Reta da Penha, em Vitória; Rodovia Norte-Sul, na Serra; Avenida Carioca, em Vila Velha e Avenida Expedito Garcia, em Cariacica.

O que é unânime na opinião dos ciclistas é a falta de respeito no trânsito, mesmo em faixas preferenciais. A pedagoga e membro do Movimento Ciclistas Vila Velhenses, Luciene Gozzer, de 51 anos, há cinco anos anda de bike e chegou a ser atropelada por um carro que ultrapassou o sinal.

Ela conta que em alguns pontos de Vila Velha precisa sair da bicicleta e ir pela calçada, como na Avenida Luciano das Neves. “Não há como ciclistas compartilharem a via com outros veículos. A falta de espaço e a velocidade dos carros impossibilitam que ele trafegue com segurança”, diz.

Para ela, é preciso de mais ciclovias e a humanização do trânsito. “Quem utiliza bicicleta para tudo é um herói urbano. Motorista não respeita ciclista, as ciclovias começam e terminam do nada. Elas estão localizadas principalmente em áreas de lazer, faltam pontos dentro dos bairros”, lamenta.

Bicicletário

Os ciclistas também convivem com outro problema: poucos paraciclos - suportes físicos onde a bicicleta é presa, e falta de bicicletários, espaços que funcionam como estacionamentos para as bikes. Com a carência de lugares para deixar as bicicletas em locais públicos e privados, elas são colocadas em postes, prédios e praças.

Para o sociólogo Luiz Gustavo Gabler, que percorre 15 km de Vila Velha até a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) de bicicleta, pontos estratégicos da cidade deveriam contar com locais seguros e com vigilância para a parada de bicicletas, como em terminais de ônibus.

“Não há estrutura de bicicletário nos terminais de ônibus, os paraciclos não são seguros. Não há investimento para que a bicicleta seja utilizada como mais um meio de transporte integrado a outros meios”, aponta.

Pedalar nas principais vias é missão difícil

Para ver de perto o que os ciclistas enfrentam no dia a dia, a repórter Raquel Lopes e o repórter fotográfico Fernando Madeira percorreram de bicicleta, por cerca de duas horas, alguns pontos de grande movimentação em Vitória. A conclusão é a de que faltam ciclovias, ciclofaixas e respeito.

O percurso teve início na Avenida Reta da Penha. De início já é perceptível o desrespeito ao ciclista. Ônibus e carros passam a todo momento em alta velocidade, buzinam, fecham e apertam o ciclista contra a calçada.

O motorista dá apenas duas opções: enfrentar a via passando a centímetros de distância de veículos ou transitar com a bicicleta pela calçada, como acontece na maioria das vezes. Bueiros em desnível com o asfalto também impossibilitam trafegar no canto da pista.

O percurso continuou na Avenida Rio Branco. Os mesmos problemas são encontrados e no local ainda há carros estacionados. O ciclista precisa ter sorte para não ser atingido por algum motorista abrindo a porta, pois o fluxo de carros, na maioria das vezes, não dá possibilidade para quem está de bike desvie.

Para quem tem necessidade de parar no comércio nesses dois pontos, é preciso levar o cadeado e prender as bicicletas em postes e bancos da praça. Não há paraciclos públicos e nem privados em nenhum local percorrido.

Condições

Quando há ciclovias, elas estão em péssimas condições, como na Praça do Papa. Falta sinalização, há buracos e a pintura está desgastada. Muitas vezes o espaço é dividido com os pedestres.

A constatação da reportagem é de que dá medo andar de bicicleta em Vitória, principalmente na Reta da Penha. Os ônibus e os carros passam a centímetros de distância e ainda buzinam muito, como se a o ciclista estivesse errado por estar compartilhando a via. E é um direito dele.

O pior é saber que, o que foi vivenciado em pouco tempo pela reportagem, é enfrentado todos os dias por milhares de ciclistas do Estado. O fotógrafo Manoel Henrique Silva, de 47 anos, pedala 50 quilômetros pelo menos três vezes na semana. Ele sai de Jardim Camburi, em Vitória, e vai até Jacaraípe, na Serra.

“A maior dificuldade é no trânsito, os motoristas não dão espaço para trafegar. A qualidade do asfalto também atrapalha a prática de esportes. São buracos, lombadas e não tem ciclovia em alguns trechos, como na Rodovia Norte Sul”, relata.

Análise

Infraestrutra demanda recurso e tempo, as cidades estão no caminho certo, mas ainda há muito o que melhorar nos espaços preparados para ciclistas. Em alguns lugares já há ciclovias e ciclofaixas. Onde não há é preciso que haja planejamento, pois é pouco seguro não ter ciclovia em vias de grande movimento. Em locais de ciclovia é preciso que elas estejam bem-feitas, o piso liso e sinalizado. É importante que haja lugar para deixar a bicicleta. Dessa forma, pode haver integração com outros meios de transporte. Por exemplo, deixar a bicicleta no terminal e fazer o outro trecho de ônibus.

Prefeituras prometem novas ciclovias e manutenções

As prefeituras da Grande Vitória prometem mais ciclovias e ciclofaixas em curto, médio e longo prazo. Em Vitória, há projeto de implantação de duas ciclovias: uma na Avenida Rio Branco (1,8 km) e outra na Avenida Leitão da Silva (2,6 km).

Segundo o secretário Municipal de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran), Tyago Hoffmann, a primeira não tem prazo, mas o dinheiro já foi aprovado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Já a segunda faz parte da obra da Leitão da Silva. “O ciclista vai poder trafegar pela Leitão da Silva que é paralela à Reta da Penha. Outro projeto é a ciclorrota em nove regiões, para interligar ciclovias e ciclofaixas”.

Já a Prefeitura da Serra possui um plano cicloviário, dentro de um programa de mobilidade urbana. Está prevista em até dois anos a construção de 100,68 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas em vias já existentes. O plano prevê ainda 80,96 quilômetros de ciclovias em vias que serão construídas.

“A prefeitura fez um levantamento da situação da malha cicloviária e se reuniu com o governo do Estado para captar recursos e fazer estas melhorias. Os problemas com paraciclos e falta de vagas estão sendo resolvidos aos poucos”, diz, em nota.

Cariacica informou que elaborou o projeto para a implantação da ciclovia na Avenida Osvaldo Azevedo, em Vila Merlo, e está captando recursos para a implantação. “Outras propostas ligadas à mobilidade, como a ampliação da malha cicloviária, serão estudadas no Planejamento Estratégico”, diz em nota a prefeitura.

Em nota, a Prefeitura Municipal de Vila Velha informou que as intervenções cicloviárias serão contempladas no Plano de Mobilidade Urbana, já contratado, e com previsão de conclusão em agosto. Serão 27 km a curto e médio prazo e 48 km a longo prazo. Sobre a manutenção das ciclovias uma equipe técnica será encaminhada aos locais indicados para análise.

A Eco101 informou que não há projeto de ampliação de ciclovia no trecho de Jardim Tropical até Jardim Limoeiro, na Serra. Já a Secretaria de Transporte e Obras Públicas (Setop) instalou bicicletários em 44 prédios públicos. Os terminais do Transcol dispõem do equipamento e a Setop até o final deste ano irá ampliar o número de vagas em bicicletários nos 10 terminais.