CIDADE

Chuvas de 2013: comunidade em Baixo Guandu ainda vive em risco.

Raquel Cleto perdeu quatro pessoas da família, incluindo o filho de 3 anos.

Em 25/01/2016 Referência JCC

Foi na madrugada do dia 24 de dezembro de 2013 que uma enxurrada levou a casa da família de Raquel. Neste dia, ela perdeu a mãe, Aparecida, o irmão, Júlio César, a cunhada, Tatiane, e o filho de apenas três anos, Daniel. Na comunidade de Córrego Dois Irmãos, em Baixo Guandu, Noroeste do Espírito Santo, morreram quatro, das cinco vítimas fatais do município durante as chuvas de dezembro de 2013.

Naquele ano, as grandes chuvas afetaram 54 município e mais de 60 mil pessoas tiveram que sair de suas casas. Vinte e quatro morreram. Em Baixo Guandu, a comunidade ainda vive em risco, segundo a Defesa Civil municipal.

Raquel Cleto da Silva, de 23 anos, mora em São Roque do Canãa, também na região Noroeste do estado, com o marido e uma filha de dois anos. A menina ainda pergunta pelo irmão Daniel.

Raquel se mudou do Córrego Dois Irmãos quando casou. Em São Roque, ela criava os dois filhos. O menininho, naquele ano de 2013, tinha ido passar férias com a avó. A mãe lembra com carinho de como ele gostava do seu pônei e de brincar na roça com a família.

No 24 de dezembro, Raquel tinha ido fazer compras para a ceia de Natal. A ideia era que Daniel voltasse para a casa, mas como não tinha ônibus para a mãe dela levá-lo naquele dia, Raquel continuou com os preparativos da ceia.

Na hora que ela estava dentro do supermercado foi avisada que a casa tinha “descido”. “Liguei para o tio Joci e ele falou que tinha descido e eles estavam todos dentro da casa. Aí eu falei 'tio, meu menino está lá'. Ele falou 'não fala isso não', 'ele está lá, foi passar as férias com a vó dele'. Ele falou assim 'então ele desceu também, porque sua mãe não está viva mais'. Eles desceram tudo de água abaixo. Deu uma tromba d'água e levou a casa embora’”, relembra Raquel

O desespero era grande, mas ela não conseguiu chegar logo ao Córrego Dois Irmãos. O acesso a comunidade é difícil e com os temporais daquele ano estava ainda pior. Barreiras desceram pelo trajeto. Raquel só conseguiu chegar ao lugar mais ou menos uma semana depois, “nós ficamos presos lá, sem saber o que fazer”, diz a jovem.

Neste tempo, moradores da região já estavam a procura dos quatro moradores da casa onde Raquel foi criada. Os corpos da mãe e da cunhada foram encontrados. Para carregar o corpo de dona Aparecida, os moradores tiveram que arrancar a porta de uma pequena casa, abandonada pelo morador logo que a enxurrada de lama passou.

O coordenador da Defesa Civil de Baixo Guandu, Valdério Walger, conta que eles mesmos não conseguiam chegar a comunidade, nem por terra, nem por ar. Durante um período não conseguiam teto para saírem com o helicóptero.

“Quando foi encontrada a senhora, ela ficou pelo menos dois dias lá sem que a gente conseguisse pegá-la. E porque também tivemos problema com médicos legistas, que não conseguíamos”, conta o coordenador.

A dificuldade não era só no Córrego Dois Irmãos. O município de Baixo Guandu estava isolado, com os acessos obstruídos. “Foi muito difícil para um município pequeno como Baixo Guandu. Com poucos recursos como os municípios de interior. Nós contamos na ocasião com 30 homens”, relembra Valdério.

Os corpos do filho de Raquel e do irmão não foram encontrados até hoje. A comunidade rural vive, principalmente, das atividades agropecuárias. O irmão dela trabalhava com gado. "O dia a dia dele era viver no meio do cafezal e no outro terreno cuidando de gado. Ele mexia com boi tinha gado 'a meia'. A vida dele era essa, só trabalhar", conta Raquel.

Córrego Dois Irmãos é considerado pela Defesa Civil como uma área de risco. Tem um relevo muito acidentado, com grandes chuvas podem ocorrer deslizamentos. Como aconteceu em 2013. Baixo Guandu tem 40% de área acidentada. Nesses locais, existe o risco de acontecer deslocamento de terra.

A Defesa Civil, desde 2013, junto com o Serviço Geológico do Brasil fez um mapeamento das áreas de risco do município. Mas não é uma situação simples de ser resolvida, considerando o total de áreas de risco. Por isso, conta que os moradores fiquem atentos ao clima e ao excesso de chuva.

"Pra tirar todos os moradores das áreas de risco da zona rural, bem, nós que temos tantas áreas de risco, seria impossível a operação. Porque são pessoas que moram lá desde o pai, o avô”, explica o coordenador da Defesa Civil do município.

Hoje, em média, o Córrego Dois Irmãos tem de 35 a 40 moradores. Gente que construiu a vida no local, em meio a uma paisagem com grandes montanhas, pedras e córregos que cortam a comunidade. Gente como Maria da Penha de Menez, agricultora, que nunca vai esquecer daquele ano.

"Eu tava em casa, nós estávamos em casa. Já com medo, né?! Na hora que o dia amanheceu, um homem veio, gritou, já esperava que tinha acontecido alguma coisa. Foi quando ele disse que tinha descido uma casa. Depois fomos lá, tinha aquelas negócios, televisão aquele monte de trem cheio de lama... Não tinha descido tudo ainda. Depois acabou descendo o resto”.

A agricultora diz que nos dias de chuva relembra de tudo e tem medo. Mas não deixa a comunidade por causa dos pais, que não sairiam de lá.

O pai de Maria, seu Adão Luiz de Menez, 72, mora há 42 anos no Córrego Dois Irmãos. No ano da tragédia, perdeu um galpão com cerca de 500 sacas de café, adubos e produtos para condução da lavoura. Desceu uma enxurrada de água de cima de um morro e foi levando tudo o que tinha pelo caminho, pedras, troncos e o galpão de café. Mas o que está marcado na vida do senhor foram os amigos que perdeu.

Seu Adão, assim como outros moradores, saíram apressados de suas casas no dia da tragédia. Ele conta que deixou tudo aberto, foram se abrigar em uma comunidade próxima. Mas logo voltou. "Fui embora, nós saímos pra lá. Aí tinha a criação, né?! Eu dormi uma noite, no outro dia cedinho eu vim embora. Aí eu fiquei sozinho aqui", conta.

E mesmo diante de tudo, ele não pensa em largar a sua terra. “O lugar da gente é aqui, ficar quieto aqui mesmo”. Mesmo nos dias de chuva, diferente da filha, não tem medo de que aqueles episódios voltem a se repetir. "Deus ajuda a gente. Se tiver que morrer, morre em qualquer lugar, acho".

Ajuda Financeira
Raquel conta que, poucos meses após a tragédia, fez um cadastro na prefeitura do município. E, segundo ela, disseram que a ajudaria a construir outra casa. Assim como ela, alguns moradores do Córrego Dois Irmãos também relatam que fizeram um cadastro na prefeitura e que lá disseram que receberiam um auxílio.

Maria foi uma delas, mas não sabe explicar que tipo de auxílio seria este. "Eles falaram que a gente ia receber. Enrolaram a gente, depois não deram nada. Eu achei que eles deveriam falar que não vamos receber, pra que enrolar? Falou que ia receber e depois nada".

A Prefeitura de Baixo Guandu informou que em nenhum momento disse que ajudaria na construção de novas casas na zona rural. O que houve foi o compromisso de enviar um relatório dos danos e prejuízos na tentativa de receber ajuda do Governo Federal. 

Explicou ainda que nenhum município do porte de Baixo Guandu tem condições financeiras de construir casas rurais sem auxílios dos governos. Disse ainda que, assim como as famílias afetadas pela tragédia de 2013, Baixo Guandu continua à espera da ajuda dos governos Estadual e Federal.

Fonte: G1-ES