ECONOMIA NACIONAL

Há margem enorme para taxação de ricos no Brasil, diz diretor do FMI.

axação de renda de brasileiros mais ricos reforçaria caixa do governo, segundo direitor do FMI

Em 15/05/2016 Referência JCC

Diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil e outros dez países, o economista Otaviano Canuto diz que há "margens enormes" para reduzir a sonegação fiscal no país e ampliar os impostos sobre heranças, imóveis e a renda dos brasileiros mais ricos.

Em entrevista à BBC Brasil , Canuto afirma que a ascensão política dos mais pobres cria condições para a aprovação das medidas, que reforçariam o caixa do governo.

Ex-professor de economia da Unicamp, Canuto passou quase uma década no Banco Mundial, onde exerceu os postos de vice-presidente, diretor executivo e conselheiro sobre os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). Ele assumiu o posto no FMI em 2015.

De seu escritório em Washington, nos Estados Unidos, Canuto concedeu a seguinte entrevista à BBC Brasil. Leia os principais trechos.

BBC Brasil - Quais devem ser as prioridades do governo Michel Temer na economia?

Otaviano Canuto - Lidar com a trajetória atual de endividamento e de déficits fiscais, tirando-as do curso de alta explosiva, e encaminhar uma série de reformas, como a da previdência, a desvinculação de receitas e a desindexação de alguns gastos. Isso poderia iniciar a recuperação da economia brasileira ao sensibilizar agentes econômicos a desengavetar programas de recuperação do emprego, de gastos e investimentos.

No médio e longo prazo, uma agenda para o aumento de produtividade e de capacidade de crescimento da economia brasileira. Destaco a retomada do programa de concessões e o aumento da participação privada nos serviços de infraestrutura e investimentos. Também a revisão do sistema tributário, particularmente itens que são complexos e custosos até para cumprir com eles, caso do ICMS e do PIS-Cofins.

Outro ponto que tem sido mencionado pelo ministro (da Fazenda Henrique) Meirelles é o reconhecimento de contratos resultados de negociações trabalhistas como sobrepujando outras regras trabalhistas mais rígidas. Isso vai aumentar a flexibilidade no mercado de trabalho e reduzir a rigidez que atrapalha a geração de empregos.

BBC Brasil - É viável pensar em medidas complexas como a reforma da previdência e a desvinculação de receitas levando em conta a curta duração do governo e o momento tumultuado?

Canuto - O governo pode ser curto, mas a percepção da urgência de se proceder com essa agenda é muito elevada. E há naturalmente uma transmissão (a Temer) do apoio demonstrado nesse processo (de impeachment). Não será para sempre, mas desde que haja um plano claro e um convencimento da classe política como um todo, não vejo por que não. Todo mundo está cansado da crise e há percepção clara de que não há como sair dela sem desenvolver uma agenda como essa.

BBC Brasil - Como o orçamento brasileiro se tornou tão rígido? É algo específico do Brasil?

Canuto - O grau de rigidez, sim. Imaginou-se que por decreto, lei ou por preceito constitucional você conseguiria fazer um desejo se transformar em realidade. Então o nosso longo e tenebroso legado de exclusão social, desigualdade e pobreza acabou induzindo uma correta expressão de aspirações sob várias formas, inclusive no orçamento, sem que ao mesmo tempo fosse buscado espaço para esses anseios no corte e eliminação de privilégios.

Como não aconteceu esse acerto de contas, o gasto público no Brasil entrou numa trajetória crescente. Mesmo quando o PIB brasileiro estava crescendo bem, a proporção do gasto público no PIB continuou crescendo. Estabeleceram-se indexações como tentativas equivocadas de proteger o gasto sem levar em conta a qualidade, e isso produz distorções.

Veja a vinculação de gastos públicos nos Estados para educação e saúde. Os Estados têm configurações diferentes de população – em alguns casos a população é mais velha e as necessidades não encaixam na média do país. Só que, como está fixado, gasta-se de qualquer maneira.

BBC Brasil - A obra do economista Thomas Piketty gerou um debate mundial sobre a taxação dos mais ricos. Há margem no Brasil para a iniciativa?

Canuto - O problema da evasão fiscal e da arbitragem dos sistemas tributários é um drama universal. A configuração mais justa nem sempre é a mais eficaz, porque a tributação sobre alguns segmentos é facilmente evasada. É um problema enfrentado desde os membros União Europeia e que também afeta o Brasil. Ainda assim, há margens enormes.

Por exemplo: a tributação sobre o patrimônio imobiliário é justificável na medida em que o patrimônio físico de casas, terrenos, às vezes se valoriza sem que haja nenhum mérito por isso. Nada mais naturalmente taxável do que isso. O mesmo vale para a taxação sobre heranças, sem eliminá-las – é algo que se justifica do ponto de vista de mérito.

Além disso, esses tipos de taxações são de evasão mais difícil. São casos óbvios em que a tributação maior é justificável pela eficácia e por razões de equidade. Também tem que haver maior taxação sobre a renda dos mais ricos, fechando os buracos através dos quais eles possam evitar ter suas rendas classificadas assim.

BBC Brasil - Há maturidade para aprovação disso no Brasil?

Canuto - A pergunta que eu faria é se existe disposição política e uma configuração de forças políticas nessa direção. Eu diria que sim, na medida em que a pressão popular não tende a desaparecer ou voltar a ser mínima como no passado. A expressão da classe média baixa, dos segmentos abaixo do topo da pirâmide veio para as ruas no sentido figurado e não volta para dentro de casa.

BBC Brasil - Quais os legados deixados pelos governos do PT?

Canuto - Um deles é a percepção de que existem certos tipos de políticas sociais que são eficazes no combate à pobreza extrema com baixíssimo custo, cujo maior exemplo é o Bolsa Família, mas não apenas. Isso é uma lição fundamental por conta dos diversos efeitos secundários que programas desse tipo trazem, como o empoderamento das mulheres e dos pobres. São um baita avanço em relação a todos os tipos de políticas sociais do passado e vieram para ficar.

Um segundo legado é a lição clara de como vale a pena preservar uma estrutura de responsabilidade macroeconômica na gestão do país. A experiência do governo do PT mostrou claramente o grande benefício para o governo e o país da preservação da estrutura de responsabilidade herdada e mostrou a ruptura que pode acontecer quando você se afasta dela.

E o terceiro legado é o de que o regime econômico anterior, muito voltado para dentro, chegou a sua exaustão. A ideia de que a economia brasileira pode crescer simplesmente autopropelida pelo consumo chegou no limite. O que coloca agora a percepção clara de que há a necessidade de se voltar para um aumento de produtividade.

BBC Brasil - Como o avanço social que houve no Brasil na última década se compara com o de países com características semelhantes?

Canuto - Ele foi alto, mas não foi o único. Há um fenômeno bem abrangente, desde o início do último milênio, de redução da pobreza em termos relativos na América Latina, em boa parte da África, na Europa Oriental e Ásia.

As explicações são diferentes. No caso da Ásia, essa redução se deu particularmente a partir da inserção no aparelho produtivo – as pessoas foram tiradas de atividades de subsistência para trabalhar em atividades mais modernas, em geral nas cidades, associadas à indústria manufatureira.

No caso da América Latina tem muito a ver com uma melhora substancial nas políticas públicas, com uma mudança no eixo do poder político que favoreceu ou deu voz grande a pessoas do baixo da pirâmide. A educação dos pobres brasileiros nunca foi uma grande prioridade da elite brasileira – também porque ela nunca precisou, muito pelo contrário.

A partir do momento em que você tem universalização de meios de comunicação, você passa a ter aspirações, e a referência de que sim, se podem mudar as coisas. A pressão da base da pirâmide hoje é uma força política que não pode mais ser ignorada.

BBC Brasil - Hoje a elite brasileira tem interesse em melhorar educação dos mais pobres?

Canuto - Sim. Ao falar de elite estou falando de maneira ampla de um grupo de pessoas que tenham posição na liderança do curso das políticas e das atividades produtivas. Hoje no Brasil se sabe que ou o país conta com uma base melhor educada, ou esses caras não vão conseguir produzir nada no futuro que seja sustentável.

Fugir para o exterior para viver de contas bancárias tampouco é uma opção - quem depende só de contas bancárias em outras partes do mundo não configura bem uma elite.

BBC Brasil - Houve algum país que conseguiu fazer uma transição de um modelo econômico baseado em commodities, como o brasileiro, rumo a outro focado em inovação?

Canuto - Todos os países nórdicos, a Austrália, o Canadá. Existem exemplos de países como Botsuana, na África, que conseguiu aproveitar bem o boom e a abundância de recursos minerais – no caso deles, diamantes – para melhorar largamente a qualidade da educação e saúde.

Mas o Brasil não é simplesmente um produtor de commodities e de atividades primitivas. Tem muita tecnologia e valor agregado em serviços sofisticados embutidos na produtividade agrícola brasileira. Tem muita competência na habilidade de prospecção e exploração de petróleo em alto-mar desenvolvida pela Petrobras.

O Brasil mostrou que, desde que atividades industriais possam se integrar em cadeias de valor no exterior, segmentos relevantes intensivos em tecnologia e em uso de mão de obra qualificada podem permanecer dentro do Brasil, como no caso da Embraer.

Quando digo que houve uma exaustão do modelo anterior, não quero dizer que o que foi alcançado no modelo anterior desapareceu. O consumo de massa no Brasil vai continuar sendo relevante. O ponto é que isso só não será suficiente para país crescer a taxas como vinha crescendo no novo milênio.

BBC Brasil - Como o Brasil pode voltar a investir em infraestrutura se grande parte das empresas do setor está enrolada na Lava Jato e enfrenta grandes dificuldades financeiras?

Canuto - Essas empresas estão fazendo acordos de leniência e já vêm há algum tempo se preparando para enxugar, para focalizar nas áreas em que são mais competentes. Ao mesmo tempo isso abrirá espaço para outras empresas também – estrangeiras, nacionais ou combinações entre elas. O importante é que haja mais agentes disputando mercado e que as regras prevaleçam em lugar de esquemas pré-fixados, como vinha sendo o caso.

BBC Brasil