MOTOR

Maioria de veículos em recall em 2015 não foi consertada até início deste ano.

1,78 milhão de carros e motos não foram reparados até meados de março.

Em 23/04/2016 Referência JCC

1,78 milhão de carros e motos que foram alvos de recalls em 2015 ainda não haviam sido reparados até março deste ano, segundo relatório enviado ao G1 pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), que monitora os recalls. O volume corresponde a mais da metade dos 2,82 milhões de veículos do tipo chamados no ano passado para voltar às concessionárias.

O levantamento usa as informações enviadas pelas montadoras ao Ministério da Justiça até o último dia 16 de março; não foram considerados quadriciclos, caminhões e ônibus.

Dos 110 recalls abertos para carros e motos entre janeiro e dezembro de 2015, 59 não haviam tido nem 50% das unidades convocadas atendidas nas concessionárias até aquele momento.

VEJA O ÍNDICE DE ATENDIMENTO DE RECALLS DE 2015 ATÉ 16/03/2016

Em 28 deles, o índice de atendimento era inferior a 20% (confira, ao fim da reportagem, os 10 recalls de 2015 com com piores índices). Muitos deles foram abertos nos últimos meses do ano, mas 8 foram lançados ainda no 1º semestre de 2015. Não há tempo limite para o atendimento de um recall - a montadora é obrigada a fazer o reparo gratuitamente mesmo anos depois do chamado.

Além dos quase 2 milhões não reparados até então, a situação de cerca de 550 mil carros e motos convocados em 2015 era uma incógnita até meados de março porque, também de acordo com o DPDC, ainda não haviam sido entregues os relatórios referentes a 18 chamados.

Por lei, as montadoras e importadoras têm de atualizar o número de atendimento ao Ministério da Justiça ao menos a cada 2 meses (conheça as regras). O descumprimento é passível de multa.

Os motivos
De acordo com o DPDC, a média mundial de atendimento de recalls é em torno de 60%, em relação a carros, diz Juliana Pereira, diretora do órgão. Produtos de menor valor agregado têm adesão ainda menor. Mas ela não aponta o que o órgão considera, oficialmente, baixo índice de comparecimento: "Não tem uma resposta em nenhum lugar do mundo".

Também não há um consenso sobre os motivos de tantos carros demorarem para ser consertados ou nunca atenderem ao recall. Para Juliana, o índice poderia melhorar com a atualização de regras sobre como é feita a comunicação do recall, hoje focada em TV, rádio e jornais.

As montadoras dizem que os índices são especialmente baixos quando a convocação envolve modelos mais antigos, que mudaram de dono. Citam ainda que, em certos casos, o conserto começa um tempo depois do anúncio do recall, pela necessidade de primeiro abastecer o estoque de peças.

Em sites de reclamação, consumidores que responderam aos chamados se queixam de atraso para atendimento por falta do item a ser reposto.

Risco de morte
Recalls só são realizados quando há risco para a segurança ou a saúde do consumidor.

Entre os que apresentaram baixo índice de atendimento em 2015, há 7 relacionados aos “airbags mortais”, equipamentos defeituosos fabricados pela empresa japonesa Takata e usados por diversas montadoras no mundo.

Durante a abertura, essas bolsas podem lançar pedaços de metal contra os ocupantes, causando ferimentos graves: até o início deste mês, havia 11 mortes relacionadas, sendo 10 nos Estados Unidos e 1 na Malásia. O caso resulta no maior recall da história, envolvendo mais de 30 milhões de veículos em todo o mundo.

Os recalls desses airbags começaram em 2013, inclusive no Brasil. Somente em 2015 foram convocados mais de 1 milhão de carros que têm esses equipamentos no país. A maioria desses recalls ocorreu em etapas: primeiro, como alerta e, meses depois, o conserto em si. Isso porque, com a enorme demanda, a Takata teve dificuldades na produção de airbags para troca.

Mudança de dono
Um desses chamados, convocado pela Honda, em junho, envolveu quase 300 mil unidades de Fit, City e CR-V anos 2004 a 2008. Na ocasião, o comunicado do recall incluiu um calendário com 4 datas de início do atendimento, entre agosto e novembro, conforme modelo e ano de fabricação. Até meados de março, segundo relatórios recebidos pelo DPDC, apenas 0,7% desses veículos haviam sido atendidos nas concessionárias.

Ao G1, a Honda informou que, além da data de início dos reparos, o índice de atendimento por campanha pode variar em virtude do ano/modelo do veículo. "A campanha do Fit, Civic e CR-V envolve veículos produzidos há até 11 anos, fato que impacta diretamente no acesso ao atual proprietário. É comum que, com o passar do tempo, os carros mudem de donos, que nem sempre retornam à concessionária para realizar as revisões e eventuais reparos periódicos”, disse a montadora, em nota.

Outros 2 chamados pelo mesmo motivo, ambos feitos pela Toyota, em maio passado, somando quase 128 mil Corolla, Fielder, Hilux, SW4 e RAV4, tinham menos de 12% de atendimento cada um, até meados de março, conforme o DPDC.

A Toyota também disse ao G1 que parte considerável dos veículos convocados possuem mais de 10 anos de fabricação, "o que significa que nem todos podem estar em circulação". E que parte significativa desses veículos deve ter mudado de dono, "o que pode dificultar a atualização cadastral do proprietário atual".

Em outubro, a marca fez mais 2 recalls ainda mais volumosos pelo mesmo problema. Ambos tiveram menos de 14% de atendimento até meados de março, segundo o relatório do DPDC.

Nenhum veículo consertado
Dois recalls abertos em 2015 não tinham nenhum veículo consertado até meados de março último, de acordo com o levantamento. Ambos são da Land Rover.

Um, aberto em setembro, envolve de 84 unidades do Defender 90 fabricadas entre 2010 e 2012, por risco de a roda dianteira sair. O outro convocou, em julho, 8 unidades do Discovery 4 ano 2012 por risco de o teto solar, quando desnivelado, deixar entrar água no carro ou mesmo se soltar.

A Jaguar Land Rover diz que está ciente que algumas de suas campanhas de recall podem ter baixos índices de atendimento: “A empresa informa que tomou todas as medidas cabíveis para informar e conscientizar seus clientes a respeito da importância da realização da verificação e possível reparação dos veículos afetados”.

E os carros novos?
Mesmo quando os veículos convocados são mais novos não há garantia de mais alto índice de atendimento. Dos 28 chamados com menos de 20% dos carros consertados até o início do ano, apenas 8 incluiam veículos com mais de 10 anos de fabricação, considerando o ano de 2015. Outros 8 compreendiam carros e motos que saíram das fábricas ainda em 2015.

"O índice de atendimento é um desafio gigante", diz Juliana, diretora do DPDC. “O tema atendimento é internacional, não é só no Brasil que se discute isso."

Para ela, o primeiro ponto é como as campanhas são feitas, voltadas a meios tradicionais de comunicação. “O Código (de Defesa do Consumidor) é de 1990, não tinha internet. Nos anos 90, o tiro era mais certeiro, hoje a comunicação é mais difusa”, afirma.

Segundo a diretora, um grupo que envolve o Ministério Público e órgãos de defesa do consumidor está discutindo como melhorar as campanhas e o conteúdo delas. "O grupo discute (por exemplo) em que medida é mais fácil achar (o proprietário do veículo) por Whatsapp do que por correspondência", explica. Ainda não há uma definição sobre mudanças nas regras.

Monopólio de peças
Além da baixa adesão, é necessário considerar casos em que o consumidor atende ao recall, mas não consegue o conserto prontamente, caso de alguns chamados relacionados aos airbags da Takata, que são alvos de queixas em sites como o Reclame Aqui, relatando falta de peças.

Para Juliana, isso também precisa ser questionado. "Há argumento do tipo: só tem um fabricante no mundo. Precisamos investigar isso de outra perspectiva, de concorrência. Se há um monopólio de peças, vamos procurar o Cade”, diz, em referência ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, também vinculado ao Ministério da Justiça e responsável por proteger a livre concorrência no mercado.

Sistema integrado
Propostas como o aviso de não comparecimento em recall constar no documento do veículo e mesmo de bloqueio de venda da unidade que não atendeu ao chamado nunca foram implementadas. “Temos que viver etapas: o bloqueio de imediato (da transferência) é uma medida mais dura. O alerta (no documento) já tinha que estar funcionando, já seria um grande avanço”, diz Juliana. “Afinal, já existe alerta sobre alienação (quando o carro é vendido antes de o financiamento ser quitado e ainda pertence ao banco)."

A diretora afirma que tem discutido com o Denatran o sistema que unificaria as informações. “Da nossa parte, estamos prontos para pegar nossos dados e passar pro Renavam, é a melhor maneira. Falta um pouco de boa vontade de todos os atores. As montadoras, a senhora Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), devia se apresentar para ajudar a instalar o sistema, porque é interesse deles."

A Anfavea se diz a favor da implantação das propostas.

Além do anúncio em meios de comunicação, que é obrigatório, algumas empresas costumam enviar aviso de recall por carta e, para isso, se valem do banco de dados da concessionária que possui os dados dos carros negociados ou que passam por revisão lá. Ou seja, não há acesso a quem compra o carro direto de pessoa física e por meio de lojas multimarcas e faz revisões em oficinas independentes.

Responsável pelas marcas pelas marcas Fiat, Jeep, Chrysler, Dodge e RAM, o grupo Fiat Chrysler convocou 16 recalls no Brasil em 2015 e possuía 5 na lista dos que não alcançaram 20% de adesão até meados de março, segundo relatório do DPDC.

A empresa disse que “como as montadoras não têm acesso à base cadastral do Denatran de proprietários dos veículos de suas respectivas marcas, o que seria extremamente importante para manter a atualização das informações, o incremento do índice de atendimento de campanhas que envolvem veículos mais antigos é um desafio constante".

VEJA 10 RECALLS DE 2015 COM MENORES ÍNDICES DE ATENDIMENTO
Segundo dados do DPDC em 16/03/2016

Índice de atendimento: 0%
Modelo: Land Rover Discovery 4 2012
Anúncio: Maio/2015
Motivo: Vidro do teto panorâmico pode ficar desnivelado ou cair (leia mais).
Unidades envolvidas: 8
Unidades atendidas: 0
O que diz a empresa: "A Jaguar Land Rover está ciente que algumas de suas campanhas de recall podem ter baixos índices de atendimento. A empresa informa que tomou todas as medidas cabíveis para informar e conscientizar seus clientes a respeito da importância da realização da verificação e possível reparação dos veículos afetados."

Índice de atendimento: 0%
Modelo: Land Rover Defender 2010 a 2012
Anúncio: Setembro/2015
Motivo: Vazamento de óleo no eixo dianteiro pode fazer a roda se soltar (leia mais).
Unidades envolvidas: 87
Unidades atendidas: 0
O que diz a empresa: idem ao posicionamento acima.

Índice de atendimento: 0,7%
Modelo: Honda Fit, Civic e CR-V 2004 a 2008
Anúncio: Junho/2015
Motivo: Airbag com defeito pode lançar pedaços de metal e ferir os ocupantes; fornecedora é a empresa japonesa Takata e falha é ligada a mortes no exterior (leia mais).
Unidades envolvidas: 290.361
Unidades atendidas: 2.238
O que diz a empresa: "A referida campanha envolve veículos produzidos há até 11 anos, fato que impacta diretamente no acesso ao atual proprietário (...) Outro fator que contribui para o índice de atendimento é a data de início dos reparos. Os agendamentos foram liberados entre os meses de julho e novembro, ou seja, ainda há um grande volume desses veículos sendo atendidos pela rede."
 

Índice de atendimento: 1%
Modelo: Chrysler Town & Country, Chrysler 300C, Dodge Journey e Jeep Grand Cherokee 2008 a 2010
Anúncio: Fevereiro/2015
Motivo: Carro pode desligar “do nada”, por falha na chave de ignição. Caso é semelhante ao que levou a um mega-recall da GM nos EUA (leia mais).
Unidades envolvidas: 3.280
Unidades atendidas: 34
O que diz a empresa: Atualizou o percentual, em 17/03, para 6%. E acrescentou: "Como as montadoras não têm acesso à base cadastral do Denatran de proprietários dos veículos de suas respectivas marcas, o que seria extremamente importante para manter a atualização das informações, o incremento do índice de atendimento de campanhas que envolvem veículos mais antigos é um desafio constante e, nesse sentido, a FCA vem tomando as medidas possíveis para elevar os índices de atendimento dos recalls".

Índice de atendimento: 1,4%
Modelo: BMW S 1000 RR, K 1300 S e K 1300 R 2009 a 2014
Anúncio: Fevereiro/2015
Motivo: Falhas na banda de rodagem e/ou cintas do pneu direito das motos, podendo resultar em possível esvaziamento imediato (leia mais)
Unidades envolvidas: 3.243
Unidades atendidas: 47
O que diz a empresa: "Por se tratar de recall que envolveu motocicletas com mais 6 anos de uso, há a possibilidade de os pneus originais de fábrica terem sido substituídos por tempo de uso, o que resulta na ocorrência de um número de atendimento abaixo da média habitual dos chamados de recall de BMW Motorrad."

Índice de atendimento: 1,5%
Modelo: Suzuki / Ignis 2001 e 2002
Anúncio: Maio/2015
Motivo: Não conformidade no processo de produção do conjunto da chave de ignição pode gerar fumaça e/ou faíscas durante a partida, e risco de incêndio (leia mais).
Unidades envolvidas: 255
Unidades atendidas: 4
O que diz a empresa: não comentou

Índice de atendimento: 3%
Modelo: Mitsubishi Motors / Eclipse GT 2000
Anúncio: Julho/2015
Motivo: Braço de fixação do quebra-sol do passageiro pode se soltar durante uma colisão frontal e ser projetado contra os ocupantes (leia mais).
Unidades envolvidas: 33
Unidades atendidas: 1
O que diz a empresa: "A Mitsubishi Motors do Brasil cumpriu todas as obrigações legais relacionadas. Estamos com toda a nossa rede de concessionários preparada e à espera das outras unidades. Esses veículos têm mais de 16 anos de uso e são de um nicho muito especifico. Geralmente são de colecionadores, que não usam o carro no dia a dia e que também procuram oficinas independentes."

Índice de atendimento: 3,4%
Modelo:Suzuki GSR150I e GSR150I Cargo 2012 a 2015
Anúncio: Novembro/2015
Motivo: Fadiga do material dos eixos de transmissão secundários pode provocar o rompimento do eixo e a perda de tração (leia mais)
Unidades envolvidas: 14.040
Unidades atendidas: 476
O que diz a empresa: A J Toledo da Amazônia não comentou

Índice de atendimento: 3,7%
Modelo: KTM 990 SUPERMOTO T 2009, 2010 e 2011
Anúncio: Abril/2015
Motivo: Falhas na banda de rodagem e/ou cintas do pneu direito das motos, podendo resultar em possível esvaziamento imediato.
Unidades envolvidas: 133
Unidades atendidas: 5
O que diz a empresa: "A KTM fabrica apenas motos esportivas e a vocação para o consumo de pneus é grande. Assim, a grande maioria das motos KTM objeto desse recall (que são de anos anteriores aos lançamentos) certamente teve os pneus substituídos pelo desgaste normal. Isso pode deixar a impressão do comentado baixo índice de atendimento, mas o importante é que não conhecemos nenhum registro de acidentes nem pneus com problemas substituídos."

Índice de atendimento: 4%
Modelo: Ford New Fiesta, EcoSport e Fusion 2010 a 2013
Anúncio: Julho/2015
Motivo: Possibilidade de quebra da mola do trinco da fechadura das portas dos veículos com risco de sua abertura com o veículo em movimento (leia mais).
Unidades envolvidas: 215.069
Unidades atendidas: 8.577
O que diz a empresa: “Os recalls foram lançados em conformidade com as normativas brasileiras, com anúncios em jornais, rádio e televisão, além de cartas para os clientes. A Ford informa a cada 2 meses o número de atendimento ao DPDC. A nossa Central de Atendimento mantém atualizadas as informações sobre os recalls em andamento. Diante dessas iniciativas, não temos como comentar as razões dos clientes não comparecerem a estes programas de serviço."