ESPORTE NACIONAL

Marroquina destaca revolução feminina no esporte.

A marroquina tem amplo histórico de contribuição para o olimpismo feminino

Em 06/03/2015 Referência JCC

Ghada Shouaa, Hassiba Boulmerka, Habiba Ghribi: nomes de mulheres árabes, algumas africanas, todas pioneiras no esporte. Elas conquistaram a primeira medalha olímpica feminina para seus países – Síria, Argélia e Tunísia. Para que elas e muitas outras pudessem chegar ao pódio, uma mulher fez história em Los Angeles 1984, ao vencer a prova então inédita no programa olímpico feminino, os 400m com barreiras, tornando-se a primeira árabe e africana a ganhar um ouro nos Jogos. Seu nome é Nawal El Moutawakel.

“Eu estava feliz por fazer parte daquela história, por mostrar a todas as mulheres do planeta que as elas podiam correr e saltar e se destacar. Agora as portas estão abertas para todas. Fico feliz por ter contribuído pelo menos um pouco com essas conquistas e com o empoderamento das mulheres no atletismo e nos esportes”, disse, em entrevista ao brasil2016.gov.br

O nome de Nawal está sempre na mídia brasileira e internacional, já que é chefe da Comissão de Coordenação dos Jogos Olímpicos Rio 2016, mas a marroquina de 52 anos tem amplo histórico de contribuição para a participação feminina no movimento esportivo. Primeiro como atleta, depois como administradora esportiva – já foi ministra da Juventude e Esportes em Marrocos. Para ela, vivemos uma “pequena revolução” no esporte.

“Nós vimos em Londres a quantidade de mulheres participando (4.676) e vivemos um momento histórico no movimento olímpico e no esporte de forma geral porque, pela primeira vez, vimos pelo menos uma mulher em cada delegação . Vimos mais de 35 comitês olímpicos nacionais com mais mulheres que homens. Pela primeira vez, há quatro mulheres no Comitê Executivo do COI. Essas coisas nunca aconteceram no passado”, contou.

Família de esportistas

Comecei quando era adolescente, com 14 ou 15 anos. Pertenço a uma família que realmente ama esportes. Meu pai praticava judô, minha mãe jogava vôlei e meus cinco irmãos e irmãs faziam atletismo. Eu não me lembro de ter grandes dificuldades quando treinava, competia, mesmo quando sonhava em ser campeã. Tive apoio da família, do meu pequeno clube, da federação nacional e da autoridade máxima do país.

Não acho que tenha sido um caso isolado, porque antes de começar a competir em nível nacional e internacional, já havia atletas marroquinas melhores do que eu naquele momento e era quase impossível vencê-las nos 100m, 200m, 400m. Pouco a pouco comecei a melhorar, a entender o atletismo, a energia que ele exigia, a determinação que precisava ter. Talvez faltassem alguns recursos financeiros, a infraestrutura apropriada, mas tive apoio total de todos à minha volta.

Um técnico visionário
Correr está no meu DNA. Eu amava treinar, amava os desafios. Eu treinava 100m, 200m, 400m, revezamento 4 x 100, 4 x 400, mas meu treinador, Jean-François Coquand, era um visionário. Ele me disse: sugiro que você mude para os 400m com barreiras. É uma prova nova para mulheres e provavelmente irá para o programa olímpico. Era minha chance de desviar dos 100m, 200m, 400m para os 400m com barreiras. 

Não gostei muito no início. Eu não era muito alta nem muito forte, e achava que não iria me destacar. Meu técnico teve que trabalhar bastante a minha atitude mental, ele me fez gostar da prova e rapidamente me tornei campeã africana, campeã mediterrânea, campeã nacional, campeã francesa. Isso me ajudou a chegar em forma a Los Angeles em 1984. Comecei a acreditar que poderia ganhar. Eu pensava: por que não? Por mais que tivesse algumas dúvidas sobre minhas capacidades, o esporte te dá isso, te faz ficar mais forte, confiar em você mesmo, ter autoestima, determinação, e mais que tudo, ter paixão pelo que faz.

Inédito para mulheres
Os 400m com barreiras, para mim, era uma corrida com dez obstáculos. Sempre falei que os 400m com barreiras são uma escola de vida, te ensinam tudo que falei antes, sobre paixão, determinação, excelência, e  eu realmente sentia que estava voando sobre as barreiras. Entretanto, os 400m com barreiras eram um evento novo para mulheres no programa olímpico, assim como a maratona, e tecnicamente não estava no meu melhor nível. As mulheres hoje estão cada vez mais aperfeiçoando as técnicas. Mas há sempre um começo, e o começo foi quando competi em 1984. Eu estava feliz por fazer parte daquela história, muito feliz por mostrar para todas as mulheres do planeta que as elas podiam correr e saltar e se destacar. Agora as portas estão abertas. Fico feliz por ter contribuído pelo menos um pouco com essas conquistas e para o empoderamento das mulheres no atletismo e nos esportes.

"Do zero para a glória"
Claro que me senti orgulhosa (com o ouro olímpico), feliz por ter realizado meu sonho. Chorei bastante porque meu pai, que sempre me apoiou e me deu força, não pode dividir aquela felicidade (ele morreu meses antes). Você pensa em todos os dias de dedicação, de treino pesado, dia e noite, nos fins de semana, nos períodos de férias em que todos estavam aproveitando o sol, e você é uma adolescente treinando em condições difíceis algumas vezes – morei muitos anos nos Estados Unidos, onde a temperatura chegava a -20ºC. Não é só alegria o tempo todo. Parte da equipe da universidade nos EUA morreu em um acidente de avião. Quando você é jovem e precisa lidar com tudo isso, você tenta se fortalecer internamente. E diz: sim, eu posso fazer isso, porque é o meu momento, é a minha história, é o meu dia e eu tenho que fazer isso hoje e agora. Eu era muito jovem e fui do zero para a glória.

Portas abertas
Existe uma Nawal antes dos Jogos e uma nova Nawal depois. E essa é uma história fantástica. Mas existem várias outras mulheres que têm lindas histórias e tenho certeza de que a minha história as inspirou de alguma forma, incluindo a jovem atleta da Arábia Saudita, Dalma (Rushdi Malhas), que ganhou medalha em Cingapura (bronze nos Jogos Olímpicos da Juventude, em 2010) no hipismo, a primeira mulher a representar a Arábia Saudita em evento olímpico. E também Ghada Shouaa, da Síria (ouro no heptatlo em Atlanta 1996, primeira medalha feminina do país em Olimpíadas), Hassiba Boulmerka da Argélia (ouro em nos 1500m Barcelona 1992, primeira argelina a ganhar medalha olímpica) e Habiba Ghribi, da Tunisia (prata nos 3.000m com obstáculos em Londres 2012, primeira medalha olímpica feminina tunisiana)...  A lista é longa de mulheres árabes, e também de mulheres africanas, que nunca tiveram a chance de se sobressair por falta de apoio. Agora as portas estão abertas.

Pequena revolução
Nós vimos em Londres a quantidade de mulheres participando (4.676) e acho que vivemos um momento histórico no movimento olímpico e no esporte de forma geral. Pela primeira vez vimos pelo menos uma atleta mulher em cada delegação . Vimos mais de 35 comitês olímpicos nacionais com mais mulheres que homens em suas delegações. Pela primeira vez, há quatro mulheres no Comitê Executivo do COI. Pela primeira vez, Gunilla Lindberg, que é do Comitê Executivo, é a presidente da Comissão de Coordenação dos Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang 2018,e também Angela (Ruggiero) chefiando os Jogos Olímpicos da Juventude de Inverno Lillehammer 2016. E eu mesma liderando a Comissão de Coordenação Rio 2016. Essas coisas nunca aconteceram no passado, é uma pequena revolução.

Acesso igualitário
Estive em dois governos como ministra do Esporte e fui a primeira entre mulheres árabes, muçulmanas e marroquinas a alcançar essa posição. No começo foi diferente, mas cresci em um ambiente esportivo, conhecia muita gente e muita gente me conhecia. Trabalhamos em total colaboração e cooperação, nos entendíamos bem e trabalhamos como time. Só me lembro de bons momentos na busca por abrir mais portas para as mulheres, por mudar a legislação esportiva, por mais transparência nas federações, para dar acesso igualitário ao esporte para pessoas com deficiência, para os jovens, por mais infraestrutura esportiva. Entendemos que o esporte é poderoso para a juventude, para ajudar a tirar da pobreza, evitar violência, doenças. Hoje temos problemas com obesidade. Os jovens estão se afastando dos esportes, temos que atraí-los.

Rio 2016
Estou ansiosamente esperando o 5 de agosto de 2016 para estar lá, orgulhosa, como todos os brasileiros, por tudo que vocês alcançaram nesses últimos anos, primeiro como nação candidata, depois como país organizador. Todo o legado deixado será extraordinário. Com as instalações para os atletas, com a infraestrutura para os cariocas. Quando você vê a Vila Olímpica, o Parque Olímpico, quando vai a Deodoro, quando vê os eventos que serão realizados em Copacabana... Todos esses elementos combinados são fantásticos para o Rio, para o país, para a América do Sul e para os esportes de forma geral.

Fonte: Brasil 2016