ECONOMIA NACIONAL

Por falhas na gestão, tarifa de luz ficará mais cara até 2026

“Se puder, tome banho frio”, aconselhou Bolsonaro, ante iminência de faltar energia elétrica.

Em 01/10/2021 Referência CCNEWS, Redação Multimídia

Foto: © Marcello Casal jr/Agência Brasil

Para o professor da UFRJ, Maurício Tolmasquim, que chegou a ocupar interinamente o cargo de ministro de Minas e Energia em 2005, a conta vai durar pelo menos até 2026.

“Se puder, tome banho frio”, aconselhou o presidente Jair Bolsonaro, há alguns dias, diante da iminência de faltar energia elétrica. A sugestão desalentadora vem na esteira de uma série de erros do governo.

Para Maurício Tolmasquim, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal que subsidia o planejamento do setor, o principal deles foi não ter aumentando o número de usinas térmicas em operação no fim de 2020, quando estudos já indicavam que os níveis dos principais reservatórios cairiam muito neste ano. Se isso tivesse sido feito, teria sido possível economizar água suficiente para não chegar à atual condição crítica, com somente 17% da capacidade. Mas há muitos outros equívocos, como negar a situação até ela se tornar insustentável e omitir a contabilidade criativa que está sendo feita para dissimular os custos excedentes com o acionamento tardio das térmicas.

Para o professor da UFRJ, que chegou a ocupar interinamente o cargo de ministro de Minas e Energia em 2005, a conta vai durar pelo menos até 2026.


O governo deixou que os níveis dos reservatórios caíssem muito. Não acionou as térmicas em novembro. Estamos em um carro no limite da reserva e ainda usando o único estepe. Foto: Chico Ferreira​/IstoÉ

Como o sr. vê as recentes manifestações do presidente, como pedir para as pessoas tomarem banhos frios para economizar energia?

Essa não é a melhor maneira de pedir para as pessoas economizarem. Além disso, é uma mensagem que está vindo um pouco tarde. O ideal seria que todos tivessem condições de usar os serviços elétricos usuais sem precisar pagar um custo alto por isso, o que não está acontecendo por equívocos da gestão.

Quais são os principais erros do governo na crise energética?

Pelo lado da oferta, deixou que os níveis dos reservatórios caíssem muito. O governo não acionou as usinas térmicas em novembro do ano passado, quando se sabia da proximidade de uma crise. Mais surpreendente, ele diminuiu a geração de energia delas em fevereiro deste ano, quando a situação já era muito ruim. Pelo lado da demanda, o problema foi o longo tempo em que se passou negando o problema. As medidas necessárias demoraram cinco meses, e ainda com falhas graves. O bônus prometido aos consumidores que economizarem energia só será pago em janeiro de 2022, por exemplo. Para arcar com esse compromisso, o governo vai ter que aumentar novamente a tarifa de luz no ano que vem. Ou seja: ele vai dar com uma mão e tirar com a outra.

Qual é a perspectiva de cortes de energia?

A possibilidade de cortes em outubro e novembro é reconhecida pelo próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Estamos em um carro no limite da reserva de combustível e ainda usando o único estepe. Para chegarmos ao destino, absolutamente nada pode dar errado. Pelas simulações já feitas, boa parte da chamada reserva operativa, que é mantida para casos imponderáveis, comuns a um país continental, vai ter que ser usada para garantir o abastecimento regular.

Por que a situação ficou tão grave?

Neste longo tempo em que o governo negou que tínhamos um grande problema, o cenário mais pessimista, que era usar a reserva operativa, passou a ser o mais otimista. Esse estoque só é utilizado em situações extremamente emergenciais, como falhas de transmissão. Usar a reserva significa agora que não temos margens para imprevistos. Como o sistema elétrico é muito complexo, isso é um perigo.

Contratar usinas térmicas em regime emergencial foi a melhor opção?

Não. Em primeiro lugar por causa do preço. Para colocá-las em funcionamento, o governo vai gastar cerca de R$ 13 bilhões até o fim do ano, que serão pagos com a alta da chamada “bandeira de escassez hídrica” na conta de luz. Esse aumento deve durar até abril. As térmicas, porém, vão continuar ativas por mais tempo, porque os contratos estão sendo feitos para que elas operem dentro de seis meses — o que vai manter os reservatórios baixos de qualquer forma até lá. Com isso, há grandes chances de novos reajustes em breve. Esse é o dano colateral de não ter poupado água desde o fim de 2020. Além disso, há o fator contextual. Assim como em 2001, o governo está contratando usinas térmicas em regime emergencial, o que faz com que o preço de cada Megawatt-hora (MWh) gerado saia entre R$ 750 e R$ 1 mil. Em leilões fora da urgência da crise, a mesma potência está sendo contratada a R$ 400. Isso significa que estamos pagando o dobro do valor considerado normal só por causa da falta de planejamento lá atrás.

Agora também falta planejamento?

Sim. Por valores exorbitantes, as térmicas vão começar a operar em seis meses apenas para ajudar a encher os reservatórios, enquanto daria para investir já em gerações energéticas sem custos variáveis, como parques solares ou eólicos, que seriam erguidos no mesmo intervalo de tempo. Se o objetivo era abastecer o País com emergência, essa seria uma decisão mais estratégica. Mas é aquela coisa: depois que a porta está arrombada é que você coloca o cadeado.


Em 2001 houve uma postura muito clara sobre a situação. Hoje não. Ao contrário, Bolsonaro passou muito tempo negando a crise. Foto: Chico Ferreira​/IstoÉ

Entidades pediram, nesta semana, transparência ao governo. As informações são confiáveis? O ONS tem sido claro?

Não há falsidade, mas também não está ocorrendo transparência. Depois de 2001, foi criado um comitê de monitoramento que existe até hoje e passou a reunir mensalmente todos os atores do setor para avaliar a situação momentânea. Esse grupo não apenas validou o desligamento das térmicas no contexto de queda dos reservatórios, em novembro passado, como ainda validou que algumas delas fossem desligadas em maio. Nenhum argumento para terem feito isso me convenceu até agora. Não à toa, a primeira atitude da recém-criada Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg) foi, justamente, acionar as usinas térmicas. O comitê ainda deixou de publicar dados fundamentais para a sociedade saber o que está acontecendo, como o déficit de energia — que sempre constava nas atas dos encontros. Esses documentos estão mais difíceis de encontrar. É mais o que se deixa de dizer do que falar algo que não é verdade. Isso gera muita desconfiança.

Esses custos vão afetar a conta do consumidor nos próximos anos?

Em 2001, a contratação de usinas térmicas em regime emergencial foi muito custosa para a economia. Agora não será diferente, levando em conta que os contratos durarão cinco anos e que o governo terá que pagar mensalmente pelos custos fixos delas ao longo desse período. Ou seja, teremos uma tarifa impactada em 2022 e haverá sequelas dessa decisão pelo menos até 2026. Esse impacto pode variar muito, porque cada vez que essas usinas forem acionadas ainda haverá o custo altíssimo dos combustíveis, que são variáveis.

O que diferencia a crise de 2001 da atual?

São contextos diferentes. Naquele ano, o problema foi a falta de expansão do setor, o que fez com que a oferta não acompanhasse a demanda. Hoje, o problema principal é de gestão, porque o nosso sistema é muito mais resiliente. Para se ter uma ideia, a capacidade instalada cresceu 133% nesses 20 anos, enquanto o consumo aumentou 77%. Se em 2001 a matriz era muito dependente das hidrelétricas, que representavam 83% da geração, hoje essa taxa caiu para 62%. Sem contar toda a mudança nos sistemas de transmissão, que hoje permitem que regiões diferentes do País exportem seus excedentes. Naquele ano, o Sul não fez racionamento, porque tinha geração suficiente, mas não era possível levar a energia para outras partes do País. Hoje está tudo interligado. Mas não adianta ter uma Ferrari se o piloto não sabe pilotá-la.

E qual é a diferença em termos de gestão?

Em 2001 houve uma atitude muito clara do governo sobre a situação. Hoje, não. Ao contrário, se passou muito tempo negando o problema. O tom nunca deve ser alarmista, mas também não se pode deixar de comunicar a população sobre o que está acontecendo. Naquele ano, todo mundo sabia da cota de consumo, dos riscos de multa etc. Hoje, as pessoas estão sabendo do bônus? Não sei. Mesmo a decisão pelo racionamento foi muito acertada naquele período, porque era a única maneira de evitar um apagão. O governo não quis pagar para ver, ao contrário deste. Eu não acredito que chegaremos a uma situação parecida, mas acidentes podem acontecer, com toda certeza. A margem de manobra é mínima.

Alguns players defendem modelos diferentes do atual, que repassa o preço ao consumidor. Essa foi a melhor alternativa?

Não haveria como não repassar um custo tão alto, como é o caso das térmicas. Mas essa contratação poderia ser feita de forma mais planejada. O governo está pagando por qualquer coisa. Algumas usinas que operam com óleo diesel, por exemplo, chegam a cobrar R$ 1,7 mil por MHw gerado. Isso significa que, cada vez que precisarmos delas, teremos que pagar esse preço. Novamente: se a água tivesse sido poupada antes, a tarifa não teria sido tão impactada. Sem contar que, às vésperas da COP 26, trata-se de uma geração extremamente poluente.

O quanto a crise pode afetar a retomada da economia?

O dano mais impactante é o inflacionário. De um lado, há o aumento direto no custo da energia elétrica. O consumidor já está sentindo no bolso. Só em junho, o reajuste foi de 52%. Ele não deu conta, e recentemente houve um novo aumento. De outro, há o custo indireto, que contamina todos os produtos do mercado. Esse dano já ocorreu, mesmo que não tenhamos apagões. Isso é bastante significativo para a economia.

E o debate em torno da volta do horário de verão?

Ele perdeu importância porque, na última década, com o aumento da classe média, o horário de ponta do consumo — quando o governo acionava as térmicas, inclusive — se adiantou das 18h para 15h. Com isso, caiu a porcentagem de economia de energia elétrica que justificasse a mudança. Isso se deveu muito à popularidade do ar condicionado, por exemplo. Mas hoje seria produtivo retomar o horário de verão. Mesmo que o valor não seja muito alto, qualquer redução neste momento tão drástico ajudaria. Sem contar que é preciso um malabarismo para explicar à população o porquê de não adotar em meio a uma crise energética.

A matriz energética ainda precisa ser mais diversificada?

A evolução nestes últimos 20 anos foi grande, mas é preciso acelerar esse processo. Uma coisa que mudou, por exemplo, foi o custo de gerar energia eólica e solar: em 2001, os valores eram altíssimos. Hoje, dá para aumentar o ritmo sem onerar o consumidor. Também já é possível diversificar ainda mais, produzindo energia a partir do bagaço da cana, por exemplo. A crise de agora legitima tudo o que o Brasil fez nessa direção de 2001 para cá, mas também aponta para novas necessidades. (Por Vinícius Mendes - IstoÉ)

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