CIDADE

Rio tem aumento de 60% em queixas de truculência contra morador de rua.

Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos apura abusos na cidade.

Em 11/08/2016 Referência JCC

O número de relatos de casos de truculência contra a população de rua no Rio cresceu 60% de março a julho deste ano, segundo a defensora pública Carla Beatriz Nunes Maia, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos. Em depoimentos colhidos pelo órgão, alguns aos quais o G1 teve acesso, os moradores de rua acusam agentes municipais e do estado de atear fogo em barracas, humilhar e forçá-los a irem para abrigos municipais. Responsável pela abordagem, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social nega que sua atuação tenha aumentado às vésperas da Olimpíada.

"Estava no Aterro do Flamengo com uma barraca, acampando. A equipe do Aterro Presente pegou a barraca e a mochila e tacou (sic) fogo falando que não poderia acampar", diz o trecho de um dos relatos.

O caso acima é apenas um dos mais de 50 colhidos e documentados pela Defensoria Pública estadual desde a criação, em março deste ano, da Ronda Direitos Humanos. 

O projeto, do qual movimentos sociais e outras entidades de defesa dos direitos humanos fazem parte, tem percorrido ruas do Rio para apurar o abuso de autoridades municipais e do estado contra a população em situação de rua.

Em outra caso, um morador de rua conta que foi acordado por seis pessoas uniformizadas de azul e obrigado a entrar numa van branca: "Eu não resisti. Tive medo. Só depois que cheguei no abrigo me perguntaram se eu queria ficar".

Casos de humilhação também foram registrados pela Defensoria. Um dos moradores de rua entrevistado afirmou que foi coagido a entrar num veículo no Campo de Santana, no Centro da Cidade, e levado para o Aterro do Flamengo, na Zona Sul.

"[Lá] Pediram para eu abaixar as calças e tacaram (sic) spray de pimenta. Logo depois me liberaram."

Dados da própria Defensoria e obtidos pelo G1 mostram que as queixas são voltadas especificamente a cinco instituições estaduais e municipais.

Segundo as informações, 21% das reclamações de atos truculentos foram feitos contra Secretaria de Ordem Pública (Seop); 17% Guarda Municipal; 10% Polícia Militar; 14% SMDS; 14% Operação Lapa Presente e outros 24% contra o "Choque de ordem", nome dado à operação da Seop.

"Ano passado já estava ocorrendo, mas eles aumentaram. Esses atos de truculência aumentaram cerca de 60%, no mínimo. E não é só recolhimento compulsório, eles expulsam e espancam para o sujeito sair dali", denuncia a defensora.

Ações intensificadas antes da Olimpíada
Também segundo a defensora, as ações de acolhimento de população de rua a cargo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) foram intensificadas durante o período que antecedeu a Olimpíada 2016. Ela conta que as regiões da Zona Sul e Centro foram priorizadas pelo órgão da prefeitura para recolher moradores.

"As áreas em que eles mais atuam nessa retirada de pessoas, nesses atos truculentos, são na Zona Sul e no Centro. Justamente onde se concentram mais moradores de rua."

A pasta nega que o número de acolhimentos tenha aumentado por conta da Rio 2016. Na justificativa, a SMDS informou que são nessas áreas (Zona Sul e Centro) que há o maior número de moradores de rua e, por isso, segundo a secretaria, a quantidade de pessoas acolhidas nesses locais é maior.

Para a advogada Isabela Blanco, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, faltam políticas públicas consistentes para garantir os direitos humanos da população de rua. Segundo ela, o número de centros de acolhimento são insuficientes e, nos que existem, os moradores de rua são tratados como se não pudessesm gerir a própria vida.

"A política pública não é a melhor em termos de direitos humanos. Em vez de opções, é o recolhimento compulsório e apreensão de pertences. Temos acompanhado tudo isso. Com a situação dos megaeventos isso vem a se intensificar. O embelezamento da cidade não é feito com as pessoas", criticou a advogada. 

Outro lado
Responsável pela abordagem à população de rua, a SMDS informou que "não recebeu qualquer denúncia sobre truculência no acolhimento de moradores em situação de rua da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, assim como pedidos oficiais de reunião".

Ainda segundo a pasta, teve início, em 2013, a reformulação dos abrigos municipais. No total, a SMDS conta com 38 abrigos próprios e 24 conveniados. A secretaria também informou que a abordagem de pessoas em situação de rua são feitas em todas as áreas da cidade "independentemente das Olimpíadas".

Já a assessoria da Polícia Militar informou que "não atua em remoções de moradores de rua, a não ser quando é solicitada pela Secretaria Municipal de Assistência Social ou pela Secretaria Estadual de Ordem Pública".

Em nota, o governo do Estado afirmou que todas as ações de acolhimento a moradores de rua no  Programa Lapa Presente são voluntárias e realizadas por assistentes sociais, inclusive com o apoio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Segundo os responsáveis pela Operação, as abordagens são filmadas. 

Segundo a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Estado, em caso de qualquer suspeita dos agentes, uma sindicância é aberta. Em caso de comprovação, segundo eles, os agentes são imediatamente desligados do programa. 

A Secretaria de Ordem Pública afirmou que  atua no apoio às ações da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) no acolhimento e em ações de desobstrução de vias em que sejam colocadas estruturas que atrapalham os cidadãos. Em ambos os casos, segundo a pasta, os agentes são orientados a agir de forma respeitosa com os cidadãos, e não é aprovado qualquer tipo de excesso.

Até a publicação desta matéria, a Guarda Municipal não respondeu ou se posicionou sobre atos de truculência supostamente cometidos contra a população de rua do Rio.

Fonte: g1-RJ