NEGÓCIOS

Comércio eletrônico agora investe em lojas físicas.

A necessidade de ter uma loja física é ainda maior quando se trata de produtos de marca própria.

Em 21/03/2015 Referência JCC

Quando inaugurou o comércio eletrônico de móveis Oppa em janeiro de 2012, o empresário alemão Max Reichel tinha apenas uma pequena sala e um depósito alugado em Barueri, na Grande São Paulo. Todo o resto existia apenas virtualmente.

Seis meses mais tarde, convencido de que os clientes precisavam ver os produtos para querer comprá-los, Reichel decidiu mudar essa situação — improvisou um mostruário num canto de 30 metros quadrados na concessionária Audi de um amigo, nos Jardins, na capital paulista.

Meses depois, mudou para um espaço quatro vezes maior. Surgia ali sua primeira loja, no bairro paulistano de Vila Madalena. Hoje, ele tem sete pontos de venda em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Até dezembro, 15 franquias serão abertas em cidades como Porto Alegre e Belo Horizonte.

A decisão de Reichel segue uma tendência global — a migração de marcas nascidas na internet para lojas de tijolo e concreto. O passo mais emblemático, embora ainda tímido, foi dado em fevereiro pela Amazon, maior varejista online do mundo.

Depois de operar durante 20 anos apenas no mundo virtual, a empresa flertou com o modelo ao inaugurar seu primeiro ponto de troca e coleta de mercadorias com um atendente, dentro do campus de uma universidade americana — e já negociou com outras duas.

Nos Estados Unidos, empresas como a varejista online de roupas para ginástica Athleta, a de óculos Warby Parker e a de roupas e acessórios masculinos Bonobos embarcaram nessa transição de maneira agressiva — juntas, já abriram 134 lojas nos últimos quatro anos.

Há uma ironia nesse movimento que até agora só existia na direção contrária. Nos últimos anos, varejistas tradicionais correram para conquistar espaço na internet. Passou a ser mandatório alcançar clientes ávidos para comprar online uma gama cada vez maior de produtos — de alimentos a óculos de sol e sofás.

O que explica, então, essa migração do virtual para o concreto? A resposta direta: atender uma exigência do consumidor. A consultoria A.T. Kearney analisou o comportamento de 2 504 consumidores nos Estados Unidos em 8 518 jornadas de compras.

A maioria — 55% dos entrevistados — prefere uma experiência mista, na qual o processo de compra, da fase de escolha à even­tual troca do produto, ocorre tanto na internet como pessoalmente. Os que usam meios físicos e virtuais para fechar negócio gastam, em média, o dobro. A mensagem é clara: cada vez mais os consumidores querem a conveniência de ter o melhor dos dois mundos (veja quadro ao lado).

Em certas etapas da compra, como a experimentação, a preferência pelo meio físico é dominante. Isso acontece inclusive entre os mais jovens — 80% dos que têm menos de 20 anos preferem lojas de concreto para experimentar itens como roupas, acessórios e móveis.

Nas lojas físicas também acontecem mais compras por impulso — 20% dos que vão à loja para realizar trocas compram outros produtos. “A loja do mundo real ajuda a trazer clientes novos e a tornar mais fiéis os antigos”, diz Ana Paula Tozzi, sócia da consultoria especializada em varejo GS&AGR.

Nos Estados Unidos, um dos casos mais bem-sucedidos dessa transição é o da empresa de óculos Warby Parker, eleita a companhia mais inovadora do mundo pela revista americana Fast Company em janeiro deste ano. Nascida na internet em 2010, a marca sempre criou diversos artifícios para se aproximar de sua clientela.

Warby Par­ker é uma mistura do nome de dois personagens do livro Os Vagabundos Iluminados, de Jack Kerouac. Cada recém-contratado recebe um exemplar da obra e é orientado a atender cada cliente como se falasse com esse personagem — inteligente e divertido.

Num exemplo disso, a empresa responde a e-mails de sugestões e reclamações com vídeos personalizados, de cerca de 20 segundos cada um. Em vez de mandar um e-mail tradicional, um funcionário do call center ou um modelo contratado narra uma mensagem descontraída.

Mesmo assim, com dois anos de existência puramente virtual, os donos perceberam que abrir uma loja física seria importante para tornar a marca literalmente mais palpável. Pela internet, cada cliente podia escolher cinco óculos e recebê-los em casa, e depois devolver sem custo os que não havia gostado, na base da confiança.

Hoje, em suas 18 lojas nos Estados Unidos, é possível experimentar uma variedade bem maior de modelos de uma só vez. A mais rentável delas, instalada no Soho, em Nova York, fatura 3 000 dó­lares por metro quadrado, média que a deixa atrás apenas da loja da Apple no mesmo bairro.

Abrir lojas de concreto também é uma maneira de chamar a atenção num universo de milhares de concorrentes. Hoje há 45 000 lojas virtuais apenas no Brasil — nos Estados Unidos, existem 650 000. Escapar da comoditização e da briga pelo preço mais baixo exige um pouco de sedução — e para isso ainda não inventaram nada mais eficiente do que a experiência de carne e osso.

“É difícil ter um relacionamento forte só na internet. As lojas — físicas ou online — cada vez mais vendem estilo de vida, e não produtos”, diz Lyana Bittencourt, diretora da consultoria especializada em varejo Grupo Bittencourt. Para atingir esse objetivo e ainda manter custos baixos, a Oppa optou pelo modelo de showroom, em que seus móveis são organizados em ambientes decorados mas não há estoque.

Nas lojas, os clientes podem conhecer os produtos de perto, tirar dúvidas com os vendedores e concluir a compra nos computadores disponíveis. “Sem estoque, o custo da loja é de cerca de 10% do custo de um ponto de venda tradicional”, afirma Reichel, da Oppa.

Tempo limitado

A necessidade de ter uma loja física é ainda maior quando se trata de produtos de marca própria que não podem ser experimentados em nenhum outro lugar. A Dafiti, líder no varejo online de moda no Brasil e pertencente ao fundo alemão Rocket, decidiu abrir sua primeira loja em março — ao mesmo tempo que lançará sua primeira coleção de seis marcas próprias.

Na loja de 400 metros quadrados e três andares, que consumiu 1 milhão de reais em investimentos, os clientes poderão ver e provar as novas peças. Tudo isso deve durar apenas três meses. “Se o modelo der certo, podemos deixar a loja aberta por mais tempo ou abrir outras unidades”, diz o alemão Malte Huffmann, sócio-diretor da Dafiti.

O modelo de lojas temporárias já vem sendo testado no Brasil pela varejista online de móveis Westwing, também do fundo Rocket. Uma loja nesses moldes, aberta em novembro num shop­ping de São Paulo, deverá ser fechada nos próximos meses.

“Nosso negócio é comércio eletrônico”, diz Alexandra Tobler, diretora de marketing da unidade brasileira da West­wing. “A loja serve para fortalecer a marca.” Nessa missão, mesmo num mundo cheio de máquinas e tecnologias, o olho no olho ainda é essencial.

Fonte: Exame